Renan De Simone

Sou um antiquado

Sou um antiquado, um ultrapassado. Faz tempo que sei disso, mas olho ao redor e essa confirmação se repete, como um espelho em cada esquina.

Talvez esteja envelhecendo mal, pois ainda penso em ética, na diferença entre conceitos estanques e a vida prática. Penso em como é importante viver, se relacionar, e também tomar distância, reavaliar. Um jogo de futebol com os amigos ensina muito sobre valores morais, regras, disciplina, blefe e afins. Uma conversa no pátio da escola nos faz refletir sobre condutas, exclusão e solidariedade.

Sou ultrapassado porque ainda sou um romântico, creio na diferença que fazemos na vida uns dos outros; creio em grandes gestos, mas também nos pequenos, em passar um café, dar um abraço ou olhar nos olhos quando se conversa com alguém.

Ainda creio em utopias, que precisamos ter um objetivo maior que nós mesmos, como um projeto coletivo, sem abandonar os individuais. Acredito que, de alguma forma, é possível retomar o caminhar sem pressa, a contemplação, a respiração sem telas, likes, ou estatísticas de medidores de pulso.

Acredito que ainda pulsam em nós corações, singulares, únicos e também coletivos. Desses que nos permitam nos olhar com reconhecimento uns para os outros, sem apagar nossas particularidades.

Acredito no complexo e no paradoxo viável de congregar lógicas opostas… Tenho de acreditar, porque, se não o fizer, não serei quem sou, um contraditório que, mesmo contra as chances e probabilidades, ainda está vivo!

Sou feito de futuro e de saudades. Sinto falta de coisas que nem sei o que são. Vividas ou não.

Sorrio para cães e para o pôr do sol; fecho os olhos quando sinto uma brisa suave que anuncia novas coisas ou que entendo apenas como uma carícia de Deus em minha face.

Ontem, tive dois encontros de família e vi meus primos e primas, minha mãe, tios e tias, cunhados, sogros, filha e mais. Tantas figuras da minha infância, numa casa em que passei muitos momentos de minha vida. E tantas pessoas novas que surgiram em meu tempo como adulto. Agora éramos adultos, celebrando e ao mesmo tempo encarando as tensões da vida.

Vez ou outra, as crianças, filhos desses adultos que já foram crianças comigo, estavam correndo pela casa, a mesma casa que fora da minha tia, onde eu corria quando era do tamanho delas…

E tanto se unificou ali. O futuro e o passado, as esperanças e as saudades, cantarolando canções antigas e novas.

Sou feito de tudo isso, mas também de sonhos, pois sou ultrapassado, e talvez eu goste de ser assim. Sou um antiquado e ainda sonho. Isso deve ser um ato de resistência em si mesmo. Parafraseando Borges: “Sou as crianças correndo pela casa e os adultos jovens, preocupados com as circunstâncias e ocasiões da vida atual; mas sou também os mais velhos, lembrando e cada vez com mais saudades de tudo que se foi, cantarolando canções que me lembram dos que já partiram, dos meus familiares, amores e vivências. Sou a lágrima que escorre do olho úmido, o sorriso aberto e a voz que canta, alegre e embargada. Sou o tempo, o tigre e o próprio fogo. Eu, desgraçadamente, sou Renan”.

Comments

Uma resposta para “Sou um antiquado”.

  1. Avatar de Shirley
    Shirley

    Parabéns você é sentimento é família , é poeta é amor

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