Renan De Simone

Bate-papo com Carlos Nobre, climatologista do Inpe doutor em Meteorologia pelo MIT (maio/2010)

O fenômeno das chuvas que tornaram as ruas de São Paulo verdadeiras corredeiras, a elevação das temperaturas – levando a extinção de diversas espécies de animais e plantas -, savanização da floresta amazônica, elevação dos níveis dos oceanos, desmatamento descontrolado…

Todos são elementos de um quadro do fim dos dias e parecem fazer parte de uma visão apocalíptica. Mas, na verdade, a coisa é bem mais simples.

Praticamente todos os fatores descritos acima, são processos desencadeados pelas ações do homem sobre a natureza ou uma resposta dessa mesma natureza às consequências de nossos atos. Afinal de contas, qual é o panorama da situação brasileira? O que está acontecendo em nosso planeta?

Carlos Nobre, pesquisador titular do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), climatologista e referência mundial no estudo das consequências das mudanças climáticas no Brasil, em especial na Amazônia, respondeu essa e outras perguntas. Nobre é engenheiro eletrônico formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e doutor em Meteorologia pelo MIT (Massachussets Institute of Technology).

O pesquisador está à frente do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, que irá detectar mudanças no meio ambiente e buscar soluções práticas de sustentabilidade para mitigar as consequências do aquecimento global no Brasil. Além disso, Nobre é um dos cientistas brasileiros que integram o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e participa do Bate Papo do Sincodiv-SP Online para comentar a respeito das ações humanas (antropogênicas) sobre o planeta.

Sincodiv-SP Online: Recentemente tivemos um período exagerado de chuvas em São Paulo, que acabaram se repetindo em outros locais do país. Além disso, fenômenos climáticos intensos ocorreram em toda a parte do mundo. Esses fatores ocorrendo dentro de um curto espaço de tempo têm algum significado maior?

Carlos Nobre: Não se pode dizer ao certo, mas provavelmente não. A Terra sempre se caracterizou por ter fortes alterações do clima em curtos espaços de tempo e uma observação de um ou dois anos não permitiria efetuar nenhuma afirmação certa. O tempo mínimo em que poderíamos verificar algum tipo de mudança seria na comparação de décadas. Por ora, essa variação e os eventos podem ser vistos como fatos isolados.

Sincodiv-SP Online: Se o senhor pudesse estimar uma porcentagem da ação humana nas alterações climáticas do planeta, qual seria esse número?

Carlos Nobre: Falando aqui dos últimos 50 anos, eu diria que a ação do homem sobre o clima do planeta tem sido muito intensa. A maior parte das modificações de temperatura, elevação das águas, extinção de animais e plantas, etc., vem da ação antropogênica. Eu estimo uma influência acima de 80%.

Sincodiv-SP Online: Quanto ao papel das emissões de CO2 pelos veículos?

Carlos Nobre: Hoje, o transporte representa 15% de todas as emissões globais de gases: a aviação representa 2% desse total, a navegação 3% e o resto é por conta do transporte continental: trens, carros, caminhões, motos, etc.

É óbvio que ninguém quer abrir mão da mobilidade, do conforto que os veículos automotores proporcionam. Prova disso é o crescimento cada vez maior desse mercado não apenas em nosso país como no mundo de uma maneira geral. A mobilidade mais rápida, prática foi uma conquista humana e, como tantas outras, nós não abdicaremos dela.

Entretanto, para manter a qualidade de vida no planeta, e para toda a vida, não somente humana, o modelo terá de ser intensamente modificado. Veículos pesados e com motores que funcionam por meio de combustíveis fósseis, por exemplo, estão com os dias (para não dizer com os anos) contados.

Os veículos para transporte, no futuro, devem ser muito mais eficientes, tanto os de transporte individual como aqueles para transporte coletivo. Os materiais usados na construção dos veículos devem ser muito mais leves e resistentes, pois, para aumentar a eficiência do veículo quanto a desempenho e consumo de combustível, ele deve ser mais leve.

Hoje, um carro dito leve pesa cerca de uma tonelada. Se for uma picape, ou um veículo maior, alcança duas toneladas ou mais. No caso de um veículo de até duas toneladas, com dois passageiros, 96% do combustível necessário para locomoção é apenas para deslocar o próprio veículo e não sua carga.

Assim, aumentar a eficiência significa utilizar materiais mais leves e resistentes, com linhas mais aerodinâmicas; e combustíveis que não poluam. Os motores serão essencialmente elétricos, ou de outras fontes de energias renováveis como luz solar, energia dos ventos, da água, biomassa e etc. Esse é o caminho futuro que a indústria automobilística deve trilhar, e os distribuidores devem estar preparados para estas transformações.

Sincodiv-SP Online: O senhor é estudioso das mudanças climáticas no Brasil com ênfase na Amazônia. Um dos grandes problemas que afetam a floresta é o desmatamento, em que ritmo ele se encontra hoje?

Carlos Nobre: O Inpe começou a realizar medições na floresta amazônica em 1989 e, desde então, pode-se dizer que hoje estamos numa tendência de diminuição do desmatamento na floresta.

Houve uma regressão muito significativa dessa ação nos últimos cinco anos. Em 2004, foram desmatados 27.000 km2 da Amazônia. Este foi o segundo maior valor histórico nesse setor, perdendo apenas para 1995 (quando uma área de 29.000 km2 foi desmatada). Na última medição realizada, em 2009, alcançou-se o menor patamar no ritmo do desmatamento da floresta desde 1989. A área desmatada foi de 7.000 km2, ou seja, 74% menor do que em 2004.

Claro que este ainda é um valor muito alto, mas já é uma pequena vitória nessa guerra de diversas batalhas.

Sincodiv-SP Online: E, a quais fatores podemos atribuir essa diminuição?

Carlos Nobre: As razões ainda não estão muito claras, mas há a interferência de diversos agentes. Entre 2007 e 2008, o ritmo de desmatamento observado havia sido de 13.000 km2, sendo que na medição seguinte este número caíra quase pela metade, ou seja, a cada ano a queda é mais significativa.

A fiscalização é um dos principais fatores. A operação Arco do Fogo, por exemplo – que é um plano com várias medidas de fiscalização que atua em diversas frentes e conta com a parceria do governo federal e estadual já obteve grandes méritos nesse sentido e vem inibindo bem a retirada ilegal de árvores na região. Trata-se de um plano que conta com a participação do Ministério Público federal e estadual, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), entre outros órgãos.

Por incrível que pareça, um outro agente que ajudou nesse recuo foi a irrupção da crise mundial observada a partir de setembro de 2008.

Sincodiv-SP Online: De que forma?

Carlos Nobre: Com a crise, o preço das commodities agrícolas exportadas pela Amazônia caiu muito, especialmente da carne. Não obtendo um lucro grande em cima desses produtos, o ritmo de desmatamento diminuiu, pois não adiantaria produzir sem ter um mercado para vender.

Ou seja, com uma intensa fiscalização, o irromper da crise mundial, e a consequente subida de preço das commodities (que diminuiu a expansão da pecuária), o desmatamento diminuiu muito sua intensidade.

Existe um outro fator ainda, porém mais complicado de se mesurar: a conscientização da própria população da Amazônia de que não é mais possível, continuamente, acabar com a floresta, ou seja, manter esse ritmo de destruição.

Nesse sentido, a tomada de consciência não está ocorrendo apenas por parte das autoridades públicas. Não basta o presidente, os ministérios, as autoridades legais tomarem consciência, a população tem de abraçar a causa também.

Acredito que essa visão esteja se integrando à população da região: de que é necessário utilizar as áreas já desmatadas com mais eficiência e parar a expansão predatória. Só para se ter uma noção, a área desmatada na Amazônia, hoje, chega a ser três vezes maior que o estado de São Paulo.

Sincodiv-SP Online: Diminuir o ritmo de desmatamento não significaria também quase acabar com a produção daquela região, já que os dois pontos estão conectados?

Carlos Nobre: O grande problema é a prática predatória do desmatamento. Além disso, a produção da região não faz jus à destruição causada. Apesar de a área desmatada ser três vezes o tamanho do estado de São Paulo, a produção agrícola total da Amazônia é apenas um quarto da do estado de São Paulo, por exemplo.

A produção poderia muito bem ser desenvolvida, como disse, em áreas já desmatadas, mas que devem ser utilizadas de maneira eficiente. O que prejudica a floresta é desmatar uma área, utilizá-la e, a seguir, abandonar o local e desmatar outra parte para ter mais recursos. O ideal é cuidar do local utilizado anteriormente, para que continue produtivo.

A eficiência agrícola da Amazônia é muito pequena se comparada a outros estados como Paraná, Mato grosso, etc. A utilização eficiente de tais áreas faria com que a região produzisse mais e não menos.

Sincodiv-SP Online: Em seus estudos, o senhor trata do que chama de “savanização da floresta amazônica”. O que seria isso?

Carlos Nobre: Atualmente, o clima da região amazônica tem um período curto de seca, ou seja, temos lá apenas três ou quatro meses de um período sem muitas chuvas e o resto do ano com fortes incidências de água.

Se o desmatamento continuar, a floresta poderá mudar seu clima, que hoje é tropical. Essa mudança poderá aumentar a estação seca e deixar o clima muito mais sazonal, como é a região central brasileira, onde temos um período muito bem definido, e curto, de chuvas e um clima muito seco e quente durante o resto do ano, aproximando o clima ao de uma savana.

Isso traria graves consequências para o local.

Sincodiv-SP Online: Tais como…

Carlos Nobre: Forte desestabilização do ecossistema. É importante ressaltar que não é apenas o desmatamento que pode causar essa savanização, os efeitos do aquecimento global são tão grandes sobre a floresta que podem influenciar de maneira muito mais intensa nesse processo. Reduzir o desmatamento é muito mais fácil do que interromper e estabilizar as emissões de gases na atmosfera.

A desestabilização do ecossistema está totalmente ligada ao efeito que essa retirada de árvores e elevação de temperatura exerce sobre a floresta. A adaptação da vegetação é muito lenta, mas as mudanças climáticas – causadas pelas ações humanas – estão muito aceleradas, o que não dá tempo para a floresta se acostumar.

Estima-se um aumento de 3 a 4ºC graus no planeta dentro de 50 e 100 anos, podendo variar de acordo com cada região. Um aumento de cerca de 3ºC graus na temperatura da Amazônia, que hoje suporta algo entre 32 e 34ºC graus, por exemplo, destruiria grande parte da vegetação tropical (que não se adapta a climas próximos de 40ºC graus). A flora local seria substituída por uma similar a do cerrado, que suporta maiores temperaturas.

Essa mudança afetaria toda a fauna também e o ecossistema se desestabilizaria como um todo. A savanização da Amazônia é um risco muito grande para diversas espécies.

Sincodiv-SP Online: E quanto ao derretimento das calotas e a elevação dos oceanos?

Carlos Nobre: O grande problema do derretimento das geleiras não se refere ao derretimento do gelo que já está sobre a água, este não alteraria os níveis dos oceanos. A preocupação, no entanto, é com o gelo continental, o gelo que está sobre a terra e tende a escoar para os mares nesse processo de derretimento.

Essa transferência – da terra para o mar – faria com que os oceanos subissem. Além disso, tem-se também a expansão térmica, que é efeito direto do aquecimento global. A água mais quente é mais leve e seu volume se modifica ocupando mais espaço. Hoje, a elevação dos oceanos ocorre numa escala de 50% a 50%. Metade por conta do derretimento do gelo continental e metade pela expansão térmica.

Por ano, os oceanos estão subindo de 3 a 4 milímetros e até o final do século as águas já deverão ter subido mais de um metro. Esta também é uma ação que depois de iniciada demora a parar. Mesmo que controlássemos as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera hoje, o nível das águas continuaria a subir por cerca de 2 mil anos ainda, até se estabilizar.

Sincodiv-SP Online: No que diz respeito ao aquecimento global, ele tende a influenciar nas espécies de animais e plantas como um todo?

Carlos Nobre: Sim. Se esse aumento de 4ºC graus ocorrer, a influência nas espécies de animais e plantas do planeta será bem drástica. O IPCC fez uma estimativa de que uma mudança como essa (que parece pequena à primeira vista) colocaria cerca de 40% das espécies de plantas e animais que conhecemos hoje em risco de extinção.

Isso porque uma árvore, por exemplo, que está acostumada com determinadas temperaturas, não sobreviveria a uma elevação deste tipo e também não conseguiria migrar para locais mais frescos. Para que uma árvore consiga se “deslocar” apenas com ações naturais (vento, ação dos pássaros, etc.) são necessários diversos milênios. Se a flora for prejudicada, a fauna tende a perecer também, seja por falta de abrigo ou alimentação.

Sincodiv-SP Online: E isso poderá ocorrer dentro deste século ainda?

Carlos nobre: Até mesmo dentro de 50 anos. Nós temos a mania de falar deste tipo de coisa para o futuro, mas já está acontecendo nesse momento. Nas montanhas da América Central, por exemplo, diversos anfíbios estão sendo extintos. Estima-se que 74 espécies de um determinado sapo dessa região já tenham desaparecido.

O aquecimento global está em forte andamento, é agora e não no futuro, as coisas só tendem a piorar ou amenizar, dependendo de nossas ações. Mesmo se conseguíssemos limitar a elevação da temperatura do planeta a apenas 2ºC graus, ainda assim, cerca de 15% das espécies correriam risco de extinção. Portanto, toda conscientização é necessária para que consigamos frear o andamento deste ciclo que trará consequências para todos nós, de uma forma ou outra.

Conteúdo produzido por Moraes Mahlmeister Comunicação. Entrevista realizada e redigida por Renan De Simone, editada por Juliana de Moraes. Publicado pelo site do Sincodiv-SP Online em maio de 2010

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