Renan De Simone

Liderança na nova ordem mundial pede revisão de valores (julho/2009)

No final do ano de 2008 explodiu uma crise econômica que afetou o mundo todo. As bases financeiras até então consideradas sólidas foram arrasadas e em todos os lugares a palavra de ordem é reconstrução.

Entretanto, o que é necessário reconstruir? Ou melhor, como? Reconstruir nossa estrutura econômica, sim, mas o problema todo é o processo pelo qual isso vai ocorrer e como os líderes lidarão com essa questão.

O assunto, que segue em debate em todos os segmentos da economia e é foco da atenção de especialistas em administração de negócios, foi o tema apresentado por Peter Senge no Fórum Mundial de Liderança e Alta Performance, ocorrido em junho, realizado pela HSM Management.

Senge, considerado pelo Financial Times, Wall Street Journal e pela BusinessWeek um dos maiores especialistas de management do mundo, é professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e fundador e diretor da Society for Organizational Learning, comunidade mundial dedicada ao “desenvolvimento independente das pessoas e instituições”.

Para ele, reconstruir a base econômica apenas não resolve o problema atual, pois foi exatamente essa base que levou à crise. “É necessário reformá-la por completo e alterar determinados processos que já não sustentam as necessidades como um todo”.

A crise financeira que abala o mundo é mais um aviso do que um problema em si. É como um sinal amarelo muito forte. “Em tempos como esse, o maior problema é que todos estamos esperando que outra pessoa faça alguma coisa para resolver a questão”, diz Peter Senge.

Segundo o especialista, os motivos da crise não são puramente financeiros, pelo contrário, a maior parte daquilo que pode ser considerado causador da crise diz respeito a algo totalmente alheio a isso. Senge, que questionou sobre o que causa a crise, obteve respostas como a falta de: confiança, valores e responsabilidade; o aproveitamento inadequado de oportunidades; e ganância. Todas as respostas, confirmando as expectativas do professor.

O bolo e a inversão

Para Senge, se pensarmos o mundo como um bolo de casamento com quatro camadas, estas serão definidas como: mundo natural, mundo financeiro, mundo econômico e mundo social. E ele pergunta: qual delas seria a base principal do bolo?

“A organização correta seria o natural, em primeiro lugar; o social em segundo; seguidos pelo econômico e o financeiro no topo”. Isso porque sem o natural não há sustentação da vida como um todo e nem se pode obter recursos sem ele. O social é a base para qualquer tipo de desenvolvimento, pois é parte da natureza humana viver em grupo e, dessa forma, pode-se conseguir uma evolução efetiva muito maior. Em terceiro e quarto lugares, tem-se o mundo econômico e financeiro por se sustentarem nos outros dois e serem decorrentes deles.

Baseado em observações muito objetivas do quadro atual, Senge demonstra que o bolo, na verdade, está invertido. “A base à qual damos mais importância, hoje, é a econômica e, como todos sabem que o mundo natural deveria ser prioridade, existe uma lacuna entre o que pensamos e queremos, e o que praticamos realmente”, analisa ele.

Segundo o professor, “a questão da crise é um problema que ‘vem de dentro para fora’, em consequência de uma inversão em nossos valores”. Deve-se cuidar, primeiramente, do ambiente, pois sem a natureza não se tem recursos para realizar nada. Ao se importar mais com a base econômica, levando à ordem equivocada do “bolo”, dá-se margem a criação de problemas e uma revisão de valores é mais necessária e urgente do que uma reconstrução financeira.

Medos, reações e soluções sintomáticas

Quando existe um problema de lucro, a primeira atitude tomada é a redução de gastos. Se o lucro se mantiver baixo, mas houver a redução de gastos, de uma maneira lógica a margem de lucro aumenta em relação ao resto. Muitas vezes, esses cortes se referem às demissões e diminuições em custos com programas sociais.

O problema, nesse caso, afirma Senge, é que quando “estamos com medo, nos concentramos apenas no medo em si e perdemos muitas chances e oportunidades de circunstâncias ao redor. Com medo, nós não tomamos nenhuma atitude realmente, apenas reagimos”.

Quando um problema aparece na organização, tenta-se resolvê-lo imediatamente, pois hoje em dia existe uma escassez muito grande de tempo. As decisões devem ser as mais rápidas possíveis e acabam apenas atacando o sintoma do problema. “É como quando se tem uma dor de cabeça”, diz, “assim que a dor aparece tomamos uma aspirina, mas ela combate apenas o sintoma e não a causa da doença”.

O que ocorre com essas soluções sintomáticas, como a redução de gastos imediata sem contar com uma análise mais detalhada da situação, é que o problema continua a voltar e com uma frequência maior. Na verdade, observa-se a necessidade de uma solução fundamental, que acabe de vez com a causa do problema.

“Não sou contra soluções rápidas, mas se você tomar aspirina toda vez que aparecer a mesma dor de cabeça, o máximo que conseguirá é ficar viciado e enfraquecer”, constata Senge.

Para reverter o quadro, é necessário parar e analisar. O que falta nessas soluções sintomáticas é o fato de que não existe a visão de futuro, pois é só uma reação, não havendo crescimento, plano, nem meta. Trata-se de uma solução puramente de curto prazo e é necessário se questionar, por exemplo, por que os lucros caíram, e não apenas reduzir os gastos.

Humanização e trabalho em equipe

Descobrir as causas de seus problemas, analisar as emoções que levam aos medos dos líderes, o porquê de estarem presos a determinados padrões são questões para serem respondidas dentro do que Peter Senge chama de Pensamento Sistêmico.

De acordo com a teoria proposta pelo professor, é necessário considerar a empresa como um todo. O líder deve ser aquele que mais possui sentimento de equipe e interação. A hierarquia dentro das empresas, diz Peter, não é ruim, mas se torna péssima quando utilizada e vista da maneira inadequada. “Ela deve servir para desenvolver pessoas e dar possibilidade de crescimento e não para padronizar decisões e engessar processos”.

Uma maneira de se integrar à equipe é utilizar o sistema de “Capacidades Essenciais de Aprendizagem”, que abrange: aspiração, envolve visão compartilhada e maestria pessoal; conversação reflexiva, modelos mentais e aprendizado em equipe; além de entender a complexidade e os sistemas de pensamento dentro de sua organização. “Convide as pessoas para que falem de suas redes, de seus colaboradores”, incentiva o professor.

Para os líderes que se acham donos e únicos merecedores dos méritos de qualquer projeto bem sucedido, Senge pede para que se lembrem de um plano de sucesso e da equipe que participou de sua realização. “Lembrem com todas as sensações de vitória e orgulho, agora apaguem um desses nomes e veja se o projeto teria sido o mesmo sem essa pessoa… a resposta será: claro que não!”.

“O excelente desempenho tem um padrão, é resultado da ação de uma rede social. Ninguém progride sozinho”, completou Senge dizendo que, em seus estudos e análises, percebeu que as companhias mais duradouras se veem primeiro como um local humano e não como uma máquina que utiliza humanos para o lucro.

Conteúdo produzido por Moraes Mahlmeister Comunicação. Texto de Renan De Simone; edição e revisão de Juliana de Moraes. Publicado pelo site do Sincodiv-SP Online.