Renan De Simone

Magistrados da Justiça do Trabalho defendem a valorização do diálogo na Reforma Trabalhista (janeiro/2018)

Palco de diversos debates e inseguranças sobre os caminhos da Justiça do Trabalho no Brasil, a Reforma Trabalhista, aprovada por meio da Lei 13.467/2017 e que entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017 veio seguida da MP (Medida Provisória) 808/2017, divulgada pouco depois, e que corrigiu alguns pontos considerados falhos, mas nada parece definitivo, pelo menos é o que pensam três desembargadoras da área trabalhista que se apresentaram em evento recente sobre o tema na capital paulista*.

Para elas, houve melhorias, sim, e a maior delas é a proposição de diálogo aberto. Isso porque o cenário, engessado até então, não era dos melhores para a evolução e modernização das relações entre empregadores e empregados.

De acordo com Gisela Rodrigues Magalhães de Araújo e Moraes, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 15ª Região, ainda devemos ponderar bastante sobre o texto e refletir para tentar evoluir ao máximo. “Isso porque o panorama existente é de uma ‘sociedade’ altamente litigiosa. Temos praticamente uma ação para cada dois habitantes no país. É muito complicado dar celeridade aos processos nesse quadro, considerada qualquer área da Justiça”.

Segundo a visão da magistrada, a crise econômica dos últimos tempos só fez aumentar as ações e isso é natural em períodos difíceis. “Os processos com pluralidade de demandas também cresceram. Há uma cultura de se pedir mais do que se acha suficiente e ‘ver no que vai dar’”. A prática deve ser coibida pelos honorários de sucumbência.

Ana Pellegrina Lockmann, também do TRT da 15ª Região, concorda com a colega e pontua que, quanto aos danos extrapatrimoniais, por exemplo, “hoje há uma sensibilidade exacerbada e isso colabora para o exagero de demandas e processos relacionados a danos morais”.

Na prática, significa que nem tudo deveria resultar em um caso, diz ela. “Devemos lembrar que o excesso de proteção às vezes desprotege. Claro que não podemos preterir dessa proteção os menos favorecidos e privilegiados. Temos de pesar e equilibrar as coisas”.

É nesse ponto que o diálogo se faz cada vez mais importante e essencial.

Regina Aparecida Duarte, do TRT da 2ª Região, tem um ponto de vista semelhante quando diz que a reforma tem pontos positivos, embora não concorde totalmente com ela. “Nós, magistrados, não podemos discutir a lei ideologicamente”.

Para ela, entender a situação e verificar as intenções das partes é essencial na busca pelo equilíbrio e pela decisão acertada. A magistrada entende que a lei deve ser seguida, sim, mas que ela também serve como norte, um ponto de referência, uma vez que não é capaz de prever todas as situações possíveis no universo trabalhista.

“Na solução de litígios, o juiz há de interpretar a lei segundo sua livre convicção, também com fundamento em princípios constitucionais e nos tratados e convenções internacionais com eficácia em nosso ordenamento jurídico”, enfatiza Regina. Ou seja, é possível que haja decisões díspares nos tribunais ante uma mesma matéria.

A esse respeito e sobre todas as dúvidas surgidas, no entanto, Ana faz um apelo, “peço a todos que confiem na Justiça do Trabalho, pois não podemos continuar sendo o Brasil do ‘jeitinho’ e dos espertos. Este debate plural da Reforma Trabalhista é muito importante. Será apenas a prática que nos fará examinar ponto a ponto a lei vigente e nos fazer progredir”.

Negociar e dialogar

“Como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) estava bem ultrapassada, em especial com o fenômeno da tecnologia, rapidez e acesso à informação, havia, há tempos, a necessidade de flexibilizar tais leis, mas, claro, sempre com responsabilidade e cautela, preservando as partes”.

Essa é a opinião de Gisela, que ressalta o incentivo ao diálogo, pois afirma que a solução construída traz maior pacificação social do que aquela imposta pelo Judiciário. “É essa abertura ao diálogo, juntamente a outros artigos que punem a litigância de má-fé, por exemplo, que tendem a diminuir a litigiosidade do sistema em geral”.

Gisela cita como exemplo o artigo que determina que, agora, a representação dos empregados no local de trabalho está assegurada e essa medida melhora as relações do trabalhador com a empresa.

“No cotidiano, notamos que muitas das ações trabalhistas movidas pelos empregados são geradas não pela reclamação de direitos em si, mas como vingança contra a companhia, ou seus representantes, pela forma como foram tratados. É uma questão mais de relacionamento”, conta ela.

Mudar, em sua visão, é uma oportunidade para as empresas analisarem onde estão erradas e melhorarem. “Não deem motivos para reclamações, cumpram o que está posto na lei que sai mais barato. Todos têm sua parcela de responsabilidade e o Judiciário reconhece que a negociação é a melhor forma de solução. A representação do trabalhador dentro da empresa (que não substitui o sindicato) favorece o diálogo, pois empresa e empregado têm como agir antes do passivo”.

Judiciário como fiscal

Gisela lembra que com a prevalência do negociado sobre o legislado, o Judiciário não atua exatamente nas cláusulas dos contratos, mas pode fiscalizar abusos e omissões. “Entendam que julgar não é apenas aplicar a lei, mas entender e estudar as circunstâncias às quais devemos aplicá-las e seus efeitos”.

“Defendo a negociação e a conversa, mesmo quando da resolução de processos trabalhistas nos tribunais. O diálogo entre as três partes é essencial na decisão de uma causa, pois, durante uma boa negociação, os trabalhadores recebem o pagamento, pode-se diminuir os passivos para a empresa e isso permite investimentos e melhorias para evitar futuros problemas”, conclui ela.

Por fim, as três desembargadoras são unânimes quanto ao que deve causar mais problemas e dúvidas por enquanto: são os contratos que começaram na antiga lei e ainda estão vigentes.

*As desembargadoras Gisela Rodrigues Magalhães de Araújo e Moraes e Ana Pellegrina Lockmann, do TRT da 15ª Região; e Regina Aparecida Duarte, do TRT da 2ª Região foram palestrantes no “Encontro Reforma Trabalhista 2017 – O impacto das mudanças”, realizado pela parceria entre SindiEnergia e o escritório Mesquita Barros Advogados, na capital de São Paulo, em dezembro de 2017.

Conteúdo produzido por Moraes Mahlmeister Comunicação. Texto de Renan De Simone; edição e revisão de Juliana de Moraes. Publicado pelo site do SindiEnergia Comunica.

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