Renan De Simone

Bate-papo com Laurentino Gomes, autor do bestseller 1808 (fevereiro/2010)

Esta é a primeira edição do Bate-papo com, nova seção do novíssimo portal do Sincodiv-SP. Aqui, mensalmente, você, nosso prezado leitor, conhecerá “gente da melhor qualidade”, com experiências de vida diferentes e que tem muito a ensinar. Nesta primeira entrevista, o Sincodiv Online promove um Bate-papo com Laurentino Gomes, que é autor do bestseller 1808. Seja bem-vindo e ótima leitura!

Jornalista há mais de 30 anos, Laurentino Gomes despontou no universo literário como o autor do aclamado livro de não-ficção, 1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil.

A obra, resultado de 10 anos de pesquisa sobre a história do país, tem mais de meio milhão de cópias vendidas e gerou frutos, como a versão infanto-juvenil e o áudio-livro.

Em sua carreira jornalística, Laurentino começou em jornais do Paraná e entrou para o Grupo Estado, numa filial, em Curitiba (PR). Trabalhou também na revista Veja, da editora Abril. “Após alguns anos voltei para o grupo Estado e, depois, retornei à Abril, ou seja, tenho dois momentos distintos nos dois grupos”, conta.

Apesar de ter assumido muitos cargos nos dois grandes veículos de comunicação, Laurentino gostava mesmo era de fazer reportagem. “Por conta desta função, eu viajei o país inteiro, estive no Sul, na Amazônia, em Rondônia, em Brasília, enfim, percorri muitos locais e encontrei boas histórias em todos eles”.

Em São Paulo, desde 1988, e motivado a permanecer na terra da garoa, Laurentino Gomes conversou com o Sincodiv Online e contou sobre sua paixão por História e histórias, e ainda adiantou que para setembro de 2010 está programado o lançamento do livro 1822, a continuação do 1808!

Confira a entrevista, na íntegra, a seguir.

Sincodiv-SP Online: O que o livro 1808 representou para você? O que mudou na sua vida de lá para cá?

Laurentino Gomes: Depois que publiquei o livro, em setembro de 2007, percebi que as coisas se modificaram um pouco. Após 15 anos na revista Veja, e a apenas dois anos da aposentadoria (risos) acabei saindo da Abril no ano retrasado (2008).

Eu senti que tinha de dar mais atenção ao projeto do livro. A obra cresceu mais do que eu esperava e decidi dar-lhe um espaço maior e me dedicar mais a ela. Já que estava difícil conciliar as duas coisas, optei por encerrar uma fase da minha carreira e começar o que chamo de meu “segundo momento”.

Sincodiv-SP Online: Pode-se dizer, então, que este “primeiro momento” se encerrou com sucesso?

Laurentino Gomes: Sim e, na verdade, nem sempre. Muitas pessoas tendem a deixar os fracassos em algum ponto cinzento do passado, eu acho importante reconhecer os erros porque você sempre evolui por eles. Às vezes, o fracasso te desenvolve mais que o sucesso. É claro que, mesmo quando repórter, fiz muitas matérias das quais sinto orgulho. Outras, a gente preferiria que fossem esquecidas, e ainda há aquelas em que trabalhamos insistentemente, mas não chegaram a lugar algum. O livro 1808, no fim das contas, havia sido um desses projetos que não haviam dado certo.

Sincodiv-SP Online: Como assim, a ideia não era fazer um livro desde o início da pesquisa?

Laurentino Gomes: Não! A história do projeto do livro tem pontos em comum com a história do Brasil: ambos tinham tudo para não dar certo – e era mais provável que não desse -, mas, de alguma maneira, ou por algum milagre, conseguimos! De um lado, lançar um livro sobre História de sucesso aqui no Brasil e, de outro, criar a maior nação da América Latina, com cultura e identidade próprias.

Lá pelo ano de 1997, quando eu ainda estava na Veja, surgiu dentro da revista a ideia de produzir um suplemento especial histórico, em várias edições, que acompanharia a revista. Este suplemento traria um tema especial da formação da nossa nação, como o episódio da Independência do Brasil, a Inconfidência Mineira e a vinda da família real para o Rio de Janeiro, em 1808.

Eu fiquei responsável por essa última parte do projeto que, na verdade, teve apenas uma edição lançada e depois foi cancelado. Eu, contudo, fiquei maravilhado com algumas histórias que descobri no processo e continuei o trabalho que, 10 anos depois, com mais de 150 obras lidas a esse respeito, culminou no livro 1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil.

Sincodiv-SP Online: Grande parte do sucesso do livro se deu por conta da mistura de fatos históricos com elementos cômicos, porém reais. Como foi trabalhar com esses dois fatores sem tomar o rumo da ficção?

Laurentino Gomes: O ponto chave foi combinar detalhes pitorescos com fatos mais elaborados, aprofundados. Manter os pés nessas “duas canoas”, sem afundar, é complicado, mas é um recurso que vem muito do mundo jornalístico, combinar o curioso com uma discussão estrutural dos temas.

Há uma linha tênue e perigosa entre esses dois elementos e os cuidados para que um não suprima o outro são muitos. Existe um conceito de público que funciona numa espécie de pirâmide, ou seja, quando se quer ampliar o público atingido pela obra, descer do topo para a base. Com isso, corre-se forte risco de banalização de conteúdo. Essa tendência é óbvia em alguns programas da TV aberta, ou seja, quanto maior seu público, mais banal tende a ser o conteúdo. Por outro lado, quanto menor a audiência, mais fechado o nicho, o conteúdo tende a ser mais qualificado e levantar discussões mais sérias e embasadas (fator que nem sempre é verdade, mas ocorre na maioria dos casos).

O cuidado, então, deve ser grande quando se deseja atingir um grande público e, ao mesmo tempo, realizar uma obra com profundidade e relevância. Essa foi uma das principais preocupações. O segredo é ficar bem na linha fronteiriça entre estes pontos. Nem sempre se consegue, mas é o ideal.

Sincodiv-SP Online: O livro 1808 parece ter conseguido essa proeza, ele tem uma capa provocativa e, ao mesmo tempo em que aponta para a “banalidade”, torna-se profundo durante sua leitura, qual o método?

Laurentino Gomes: É um trabalho de garimpagem. Quando se faz uma pesquisa profunda desse tipo é necessário estar atento a elementos pitorescos que surgem e que vão ajudar a tornar a narrativa mais sedutora, atraente. É o caso de alguns detalhes do próprio D. João, que guardava coxinhas de frango nos bolsos de suas vestes e utilizava tanto a mesma roupa sem lavar ou tirar que os empregados eram obrigados a costurar possíveis rasgos e remendá-la enquanto ele dormia.

O pesquisador deve entender que não tem um trabalho fácil, deve estar atento, mergulhar em um universo de informações e tomar cuidado para coletá-las de fontes confiáveis, confirmá-las e etc. Se você faz um trabalho reto, mas básico, acaba caindo na rotina. O caminho mais simples, da facilidade, não lhe permite encontrar pepitas de ouro em meio ao cascalho, por isso é um trabalho árduo e penoso. E, tem suas recompensas essa riqueza de detalhes entre o profundo, o curioso e o exótico. Acredito que por isso é que o livro já tem mais de meio milhão de cópias vendidas, sem contar as outras versões.

Sincodiv-SP Online: Que versões são essas?

Laurentino Gomes: As versões de que falo incluem o áudio-livro, uma versão infanto-juvenil e uma nova versão especial com DVD.

Sincodiv-SP Online: Como surgiram essas ideias?

Laurentino Gomes: A versão em áudio é para atingir um público maior, não só aqueles que passam muito tempo no trânsito, mas também os deficientes visuais, pois livros em braile são muito caros. Alguns pais e professores que gostaram muito do conteúdo do livro, sugeriram uma versão infanto-juvenil da obra, visto que as crianças se assustam quando pegam nas mãos um livro de 400 e poucas páginas, assim, essa versão possui 146 páginas, é bem mais ilustrada e deixa de lado alguns personagens secundários a fim de preservar a essência da história.

Já a última versão, com DVD, foi algo que surgiu devido a uma editora portuguesa. Num evento de divulgação do livro, em Portugal, me pediram para gravar explanações nos próprios locais onde ocorreram algumas das passagens históricas descritas no livro. Esse material comporia um press kit de divulgação, mas acabou gerando uma outra ideia: se nós podíamos fazer isso em Portugal, por que não fazer também aqui no Brasil? E o resultado foi um DVD de cerca de 36 minutos com explicações exatamente nos locais históricos do livro, tanto no Brasil como em Portugal.

Sincodiv-SP Online: Você ganhou o prêmio de melhor ensaio, pela Academia Brasileira de Letras, e também o prêmio Jabuti na categoria de não-ficção, em 2008. Qual o incentivo que isso trouxe?

Laurentino Gomes: Na realidade, percebi que tinha acertado em muitas coisas. Aqui no Brasil é muito complicado lançar um livro com um conteúdo histórico sem incorrer em uma linguagem acadêmica e enfadonha que atinge um público muito restrito, ou então ser superficial demais e, mesmo atingindo um público maior, perder profundidade no conteúdo. Essa foi minha maior preocupação ao escrever o livro e tenho de confessar que ela deriva de minha experiência como jornalista. Quando o livro foi lançado, eu não esperava que fizesse tanto sucesso. Também fiquei surpreso.

De início, algumas críticas foram bem ferozes, dando a entender que jornalistas não deveriam se intrometer na história e deixá-la para os historiadores. Entretanto, alguns especialistas mais cuidadosos resolveram ler a obra antes de criticá-la e, quando o fizeram, a aprovaram, o que rendeu diversas resenhas positivas em grandes veículos como O Estado de S. Paulo e a Folha de S.Paulo.

Tudo isso me incentivou, como disse, a me dedicar mais aos frutos que estava colhendo dessa obra, o que determinou minha saída do grupo Abril.

Sincodiv-SP Online: E a “saída” foi também a “entrada” para o que chama de sua segunda fase?

Laurentino Gomes: Exatamente! Eu sempre fui um jornalista de generalidades, falava de tudo um pouco, desde crimes até coisas místicas, passando por política e história. Não concordo muito com essa tendência que existe de os jornalistas, logo no início da carreira, se especializarem em apenas uma área. Acho que, no começo, todos devem estar abertos a tudo: de esporte à moda. Isso dá base para que, no futuro, além de ter adquirido mais experiência, o profissional consiga escolher o caminho que mais lhe agrada, não apenas por circunstâncias, mas também por vivência.

Agora, depois de mais de 30 anos como jornalista de diversas áreas, é que comecei a me especializar, realmente, em História, por isso que digo que estou entrando em minha segunda fase.

Sincodiv-SP Online: Existe alguma proposta de adaptar o livro para o cinema?

Laurentino Gomes: Olha! Até o momento eu não recebi nenhuma proposta, mas devo confessar que esta é, sim, uma de minhas vontades. Entretanto, adaptar esta obra exige uma superprodução, pois demanda grandes locações, espaços abertos e eventos de porte muito elevados, como o episódio da partida de Portugal às pressas: uma cena cheia de carruagens de carga, navios e etc. Confesso que ficaria muito contente em ver a obra realizada também neste formato, mas também poderia ser na forma de documentário ou mesmo numa série para a TV.

Contudo, acredito que o livro ainda tenha alguns ciclos para serem fechados antes de amadurecer para chegar às telonas.

Sincodiv-SP Online: E quanto aos novos projetos? Há novidades à vista?

Laurentino Gomes: Tem sim. Em setembro, está programado o lançamento do livro 1822, uma espécie de continuação do 1808. Já que o primeiro livro aborda a vinda da família real para o Brasil e seus 13 anos de estadia em terras tupiniquins, o segundo continua a partir desse “gancho” e mostra como aconteceu o “milagre” da construção deste país. Como se sabe, num curto espaço de tempo entre a vinda da família real para o Brasil e a independência do país, ocorreram diversas e profundas transformações no território nacional, que passaria de colônia à Reino Unido e, logo a seguir, a uma República independente.

Os governantes, então, tiveram que construir um país a partir do zero, por assim dizer, e do dia para a noite. Na época, de cada três habitantes um era escravo; algo em torno de 99% da população era analfabeta. Nesse contexto, quando comparado aos Estados Unidos e França, por exemplo, pode-se dizer que o país era um fracasso, mas ao se analisar sua história e ver quantas chances e circunstâncias existiam para que tudo desse errado, o Brasil foi um sucesso.

Neste novo livro, eu trato das questões cabais para a formação dessa gigante nação, integrada e com identidade própria, unida pela cultura e língua portuguesas e que, apesar de sua força e posição, especialmente na América Latina, foi uma nação que cresceu sem planejamento e por meio do improviso.

Sincodiv-SP Online: O novo livro também sairá em diversos formatos, assim como o 1808?

Laurentino Gomes: Creio que tudo tenha um ciclo certo a ser seguido. Primeiro deve sair o livro original, na versão dita adulta, para depois ser adaptado para as versões infanto-juvenil, de áudio e etc. Entretanto, comparado ao lançamento do primeiro, este livro já tem, sim, seus planos mais bem definidos, ou seja, as edições em todos os diferentes formatos não estarão prontas concomitantemente, mas já sabemos que existem essas demandas e que teremos de nos adequar a elas.

O escritor, hoje, deve pensar multimídia, pois o mundo mudou radicalmente. Precisamos perder a ilusão de que é possível atingir toda a audiência desejada utilizando apenas um único formato, ou só no papel, ou só na televisão ou só no rádio, revista e etc.

Uma das características mais curiosas desse mundo contemporâneo é que, apesar da globalização, a aldeia global que pasteuriza e padroniza tudo – dando as mesmas características para um shopping, por exemplo, seja na China, Índia ou no Brasil –, as pessoas estão se organizando em comunidades de interesse que consomem informação, cultura e entretenimento de formas bem diferentes no tempo, espaço e, especialmente, no formato.

Ter uma estratégia multimídia para atingir diferentes comunidades com diferentes formatos é absolutamente fundamental daqui pra frente e é o que busco. Com o primeiro livro eu percebi isso. O 1808 se tornou, automaticamente, num projeto multimídia, com livro infanto-juvenil, áudio-livro, site de relacionamento, DVD e etc. Um grande aprendizado que quero, sim, a seu tempo, levar para sua continuação, no 1822.

Nota sobre o entrevistado:

Nascido na cidade de Maringá (PR), Laurentino Gomes sempre estudou em escolas públicas. Formou-se jornalista pela Universidade Federal do Paraná, fez pós-graduação em Administração de Empresas e cursos fora do país também.

Ao contrário do que se pode pensar, ele vem de uma família de modestos agricultores e diz ter uma combinação interessante e curiosa em sua criação: é filho de pai mineiro e bisneto de italianos por parte de mãe.

Conteúdo produzido por Moraes Mahlmeister Comunicação. Entrevista realizada e redigida por Renan De Simone, editada por Juliana de Moraes. Publicado pelo site do Sincodiv-SP Online em fevereiro de 2010

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