Renan De Simone

Bate-papo com José Edson Galvão de França, presidente da Abinpet (março/2017)

A indústria brasileira de produtos e serviços voltados para os animais de estimação (pets – incluindo cães, gatos e aves canoras) teve um crescimento exponencial nos últimos anos. Para se ter uma ideia, em 2006 o faturamento do setor era de R$ 3,3 bi, passando a movimentar R$ 18 bilhões em 2015.

O crescimento rápido (de quase seis vezes) em menos de uma década se deve a vários fatores como aumento da população pet – hoje o Brasil tem uma taxa de quase um animal para cada duas pessoas – e conscientização no tratamento dos bichinhos, com alimentos mais saudáveis e cuidados veterinários.

O movimento não ocorreu apenas no Brasil e algumas empresas, incluindo marcas automotivas, estão atentas a isso. A exemplo da Nissan que lançou, na Europa, a X-Trail 4Dogs, veículo com acomodações especiais para os pets, com bebedouro, rampa de acesso para os animais e até mesmo secador (confira aqui). Isso pode até mesmo ser uma oportunidade para o concessionário que quiser atender a um nicho específico de mercado.

Para falar um pouco desse mercado, que continuou crescendo mesmo em tempos de crise, e comemorar a semana do Dia Nacional dos Animais (14/03), o Sincodiv-SP Online conversou com José Edson Galvão de França, presidente executivo da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação).

Engenheiro agrônomo formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e com MBA em Marketing pela FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo), ele atua no setor Pet desde 1983. Foi diretor da Carteira de Créditos Agrícolas do Banco Nacional e diretor do Departamento de Proteção dos Recursos Naturais da Secretaria de Agricultura de São Paulo (atual Secretaria do Meio Ambiente), além de diretor das Rações Anhanguera.

Nesta entrevista exclusiva ao Sincodiv-SP Online, ele fala um pouco do trabalho da Associação, do desenvolvimento do mercado, da relação entre humanos e animais e de como o setor ainda sofre com alta tributação, que ultrapassa 50%. Acompanhe o Bate-papo na íntegra a seguir:

Sincodiv-SP Online: Quais são os principais objetivos da Associação? Há quanto tempo atua e qual é a importância que tem para o setor?

José E. G. de França: A Abinpet tem como missão representar, promover e fortalecer o setor no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento de seus associados, sendo referência para o mercado de animais de estimação. Atuamos em quatro grandes vertentes, sendo elas: Pet Food (alimento completo), Pet Care (equipamentos, acessórios, e produtos para higiene e beleza), Pet Vet (medicamentos veterinários) e Ingredientes.

A entidade, que hoje conta com 62 associados, atua desde 1980, quando ainda era a Anfar (Associação Nacional dos Fabricantes de Ração), e trabalha pelo setor por meio de ações que contribuem para o desenvolvimento das empresas associadas, visando também aumentar a percepção de que os benefícios da relação entre seres humanos e animais de estimação se estendem para toda a sociedade.

Além disso, realizamos diversos trabalhos nas áreas de Comunicação, Promoção de Exportações, Inteligência de Mercado, Técnica Regulatória, Jurídica e de Governança.

Sincodiv-SP Online: Com o grande crescimento visto nos últimos anos, quais são as perspectivas para o setor?

José E. G. de França: Não temos informações consolidadas sobre 2016 ainda, mas a perspectiva, segundo previsões da Abinpet, é de que o mercado tenha um crescimento de 5,7% sobre 2015. Isso significa que o setor no Brasil deve ter tido um faturamento de R$ 19 bilhões em 2016, dados ainda em análise.

Apesar de aparentemente positivo, é importante ressaltar que o número representa uma desaceleração do crescimento desse mercado, uma vez que, em 2015, essa taxa foi de 7,6% sobre 2014. Assim, essa deverá ser a menor taxa de crescimento registrada nos últimos seis anos.

Sincodiv-SP Online: Como o Brasil está colocado nesse mercado em relação a outros países?

José E. G. de França: O Brasil tem a segunda maior população mundial de cães, gatos, aves canoras e ornamentais em todo o mundo e é o quarto maior país em população total de animais de estimação. Em 2015, no total de faturamento dessa indústria no mundo, ele ficou em terceiro lugar, com 5,3% desse mercado, não muito longe do segundo colocado, o Reino Unido (6,7%), mas distante dos EUA, o primeiro colocado com 42% dos 102,2 bilhões de dólares desse faturamento no mundo.

Sincodiv-SP Online: Visto que Brasil está mais próximo aos EUA em tamanho de território e número de animais, a que se deve a discrepância nesses números?

José E. G. de França: A Abinpet não possui um comparativo de dados do setor entre Brasil e Estados Unidos. No caso brasileiro, apesar do aparente crescimento do faturamento geral nacional, é preciso levar em conta a inflação do período e a alta carga tributária do setor, que corresponde a 51,20% do preço final do produto, deturpando a percepção de faturamento. Nos EUA e na Europa, por exemplo, em 2015, a alíquota média de impostas foi de 7% e 18,5%, respectivamente.

Mais da metade do valor do produto pet, quando chega ao consumidor final, é composta de impostos, o que não corresponde à importância dessa cadeia de valor na economia brasileira e nas compras cotidianas das famílias. Já que o alimento industrializado, por exemplo, é o único completo para o animal, que garante sua saúde e bem-estar, mas continua sendo tributado como se fosse supérfluo.

Sincodiv-SP Online: Por que o crescimento previsto não é considerado bom? Como ele se distribui em cada uma das quatro grandes áreas dessa indústria?

José E. G. de França: Digo que a taxa de crescimento prevista para 2016 não é positiva, pois mostra uma queda com relação à taxa de crescimento de 2015. A conta considera os segmentos de Alimentos, que conta com 67,6% desse faturamento; Serviços, como banho e tosa e outras atividades, responsável por 16,4%; Cuidados, incluindo equipamentos, acessórios, produtos de higiene e beleza animal, com fatia de 8,2%; e Medicamentos veterinários, responsável por 7,8%.

Como visto, a alimentação é o ponto mais relevante na conta e, para produzi-la, são utilizados ingredientes como carnes e vegetais, que sofreram efeito inflacionário forte nos últimos tempos, elevando os preços, mas nem sempre o lucro.

Dados da nossa Associação também revelam exportações realizadas da ordem de  US$ FOB* 236,3 milhões em 2016. Esse dado comprova uma forte tendência negativa, que vem desde 2015. Pet food lidera em valores, somando US$ 180,7 milhões. Em seguida está Pet Care com US$ 53 milhões desse total. Os dados mostram ainda que, em 2016, outros produtos – entre eles a comercialização de animais vivos – somam US$ 2,1 milhões e Pet Vet US$ 354 mil.

Mesmo assim, a queda das exportações também é relevante: representa 33% a menos do que o obtido em 2015, quando o montante chegou a US$ 351,4 milhões. Esse valor, por sua vez, é 14% menor em relação a 2014, quando foram exportados US$ FOB 497,4 milhões. Ou seja, há retração.

(*FOB é um tipo de frete no qual o comprador assume todos os riscos e custos com o transporte da mercadoria, assim que ela é colocada a bordo do navio).

Sincodiv-SP Online: Em comparação com outros setores, que estavam em franca retração em 2014, a indústria de produtos para animais de estimação faturou R$ 16,7 bilhões, cerca de 10% a mais do que em 2013, quando o valor foi de R$ 15,2 bilhões. Por que acredita que esse mercado não retraiu como outros?

José E. G. de França: As estatísticas e os dados econômicos não são sempre números frios, mas apontam tendências de comportamento, escolhas e necessidades da sociedade. No Brasil, o mercado de pets teve um crescimento muito relevante em menos de uma década – em 2006 movimentou cerca de R$ 3 bilhões e passou a movimentar R$ 15,2 bilhões em 2013 – muito pelo aumento dessa população e do cuidado com os bichinhos.

No entanto, como disse anteriormente, o mercado tem sofrido os efeitos da crise no último ano. O orçamento das famílias foi comprometido com a recessão econômica.

Nesse contexto, é essencial saber que o segmento de Pet Food puxa o faturamento do setor, como já dito. Isso significa que o alimento não perde importância no orçamento familiar. Em tempos de crise, o consumidor pode migrar de um produto premium para um standard, mas não corta o investimento. Ou seja, uma vez alcançado determinado patamar, é difícil retrair demais.

Sincodiv-SP Online: Na relação animais de estimação e humanos, o que mudou nesses últimos 10 anos? Qual a importância dos bichinhos no cotidiano e mesmo em práticas terapêuticas?

José E. G. de França: Hoje, vivemos a mais rica etapa da relação humano/animal, que é a de considerarmos cachorros, gatos, pássaros e até répteis de estimação como parte da família.

Novos estudos mostram alguns dos resultados mais comuns em se ter um pet em casa, como o aumento da autoestima, assim como melhoras na interação social, etc.

Além dos benefícios da saúde mental, eles também trazem saúde física. Pesquisas comprovam a redução de problemas cardíacos e a diminuição do estresse em famílias que têm bichos de estimação. Há também alguns levantamentos recentes revelando que famílias que mantêm animais no lar tendem a gastar menos dinheiro com remédios. Importantes hospitais já admitem até mesmo que pacientes recebam visitas de seus bichos.

Sincodiv-SP Online: Em relação à longevidade dos animais, como uma alimentação baseada nas rações e cuidados certificados pode contribuir e como o mercado se beneficia disso?

José E. G. de França: Nas últimas duas décadas, houve grande crescimento das informações científicas sobre a importância da nutrição adequada ao animal, tanto o saudável como também aquele que passa por tratamento de enfermidade. Isso, no entanto, ainda não é reconhecido por muitas clínicas e hospitais veterinários.

A Abinpet reforça a importância do alimento completo para os pets, caso da ração industrializada. Ela contém vitaminas, sais minerais, proteínas e outros elementos na proporção correta, que garantem a nutrição e o desenvolvimento dos bichos.

O mercado brasileiro de alimentação dos animais de estimação é amplo e possui linhas completas, com opções padrões (standard), premium, de níveis nutricionais superiores, e ainda os super premium, com a mais alta tecnologia em nutrição disponível. A ração comercial, atualmente, ainda é o principal alimento fornecido a cães e gatos, já que é uma alternativa de fácil armazenamento e garante boa qualidade de vida ao animal.

Sincodiv-SP Online: Segundo nos disse, a carga tributária sobre o setor alcança mais de 51% atualmente. Por que essa incidência? O que uma desoneração poderia fazer para o crescimento do setor? A Associação atua nessa questão?

José E. G. de França: Vale ressaltar que essa tributação se deve à percepção do setor como supérfluo. Isso não condiz com o entendimento e reconhecimento dos benefícios mútuos da interação entre homens e animais para a saúde e bem-estar pela sociedade. Os pets são considerados membros da família. Além disso, estudos já mostram que os animais trazem excelentes resultados em tratamentos terapêuticos e em políticas de inclusão social.

Atuando a respeito, a Associação participou da criação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva dos Animais de Estimação dentro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e um dos principais temas é a alta tributação do setor. Hoje, no Brasil, estamos quase atingindo a proporção de um animal para cada duas pessoas. A alimentação adequada dessa população de bichos é fundamental, como é a do ser humano, e a alta tributação impede o correto acesso da população a produtos e serviços.

A Abinpet atua ativamente junto aos órgãos responsáveis para reduzir esta tributação, que atenta, principalmente, contra a saúde dos pets e o orçamento das famílias – as maiores prejudicadas pela taxa.

Sincodiv-SP Online: A quais opcionais e acessórios os distribuidores de veículos devem estar atentos e ofertar aos seus clientes que se preocupam com o transporte de seus animais de estimação, uma vez que é um mercado potencial enorme?

José E. G. de França: Transportar um pet de carro não é uma tarefa tão simples e exige alguns cuidados. Há o bem-estar do pet, que tem que estar acima de todas as preocupações, e também leis de trânsito que precisam ser obedecidas.

Segundo o artigo 235 do Código Brasileiro de Trânsito, é proibido conduzir pessoas, animais ou carga nas partes externas dos veículos, salvo nos casos devidamente autorizados. O artigo 252 inciso II proíbe o motorista de dirigir o veículo transportando pessoas, animais ou volume à sua esquerda ou entre os braços e pernas.

No mercado, há diversas opções de equipamentos e utensílios a serem instalados e deixar o passeio mais seguro e agradável: capas protetoras para o estofado do carro, assentos com cinto de segurança, caixas e bolsas de transporte.

Os concessionários devem considerar oferecer esses produtos e acessórios, buscando conhecer o perfil de seu cliente.

Conteúdo produzido por Moraes Mahlmeister Comunicação. Entrevista realizada e redigida por Renan De Simone, editada por Matheus Medeiros. Publicado pelo site do Sincodiv-SP Online em março de 2017.

Para acessar a publicação original, clique aqui: http://www.sincodiv.org.br/Sincodiv/portal/news_nova_2.php?txtCODIGOCONTEUDO=4193&txtLOCALCHAMADA=CARROSSEL