Às vezes é preciso partir

Vá! Eu sei que às vezes é preciso partir. Podemos ter razões bem definidas para isso ou simplesmente, como aconteceu com a gente, sem nada que pudéssemos apontar como responsável.

As razões nem sempre importam na hora da partida porque, em geral, você vai encontrá-las na estrada. Se quiser, se precisar, pode dizer que a culpa foi minha, que fui insuficiente, que te magoei de alguma maneira. É preciso colocar para fora aquilo que não encontramos em nós mesmos. A gente cria o mundo de dentro pra fora… E lá fora, ora ou outra, vai acabar ficando parecido com nosso íntimo, mesmo que a gente não reconheça, mesmo que não aceite.

Vá! É preciso vagar pela cidade, ver as luzes noturnas e acreditar que, mesmo distantes, elas brilham com um aceno de esperança, mostrando que nem tudo é escuridão. Mas lembre-se de que a escuridão é necessária, é ela que, contra a luz, permite desenhar formas e delinear as coisas. Se só houver luz, nada se vê!

Talvez você veja seu reflexo em alguma vidraça e não se reconheça, a gente muda por fora buscando alterar o que pulsa em nosso peito e nem sempre consegue, mas é preciso tentar, começar de algum lugar, né?

Seus passos serão silenciosos em meio ao tumulto urbano, mas quando os sons ao redor baixarem, eles ecoarão como tambores ensurdecedores. Aí você vai perceber que está impactando este mundo tanto quanto qualquer outro e suas certezas se diluem. A inocência presumida pode não ser real, assim como a culpa, seja a sua, seja a que você me entregou de presente.

Os símbolos, no entanto, ficarão. É deles que vivemos, pela tradução que eles arriscam fazer do mundo, de nós, dos sentimentos que martelam nosso coração. A lua seguirá prateada como um alento de que algumas coisas permanecem, de que as lembranças têm uma razão para existir e cravar nossa memória.

A grama que sentiu nossos corpos colados estará lá, junto ao lago, esperando ouvir nossos suspiros novamente. A árvore na qual nos beijamos, entre risos e provocações, estará atenta se o nosso “eu te amo” estará ainda ali logo mais. A nossa canção, um pouco triste, tocará esperando ver a empolgação e o fogo em nossos olhares como na primeira noite que nossos corpos se encontraram e se misturaram, e como ela preconizava, fizemos memória de tudo aquilo.

A gente talvez tenha se precipitado, sei que nossos corpos falaram antes dos nossos sentimentos, mas é inegável que as emoções nos dominaram logo a seguir. Não tinha como ser diferente…

Quando tirei sua roupa me maravilhei, mas quando desnudei sua alma te amei!

Eu sei que você precisa ir, tem de respirar, respeitar-se, apaziguar.

Vá, mas se por acaso os pés travarem, quiserem fazer meia-volta ou se algo doer em seu coração, caso um vazio bata e se intensifique, saiba que continuarei aqui. Talvez eu esteja do mesmo jeito que você deixou, talvez um pouco diferente, mas ainda assim com tudo aquilo gravado em mim: a lua, a grama, a árvore, a canção.

Porque não importa aonde você ou eu formos, estaremos gravados um no outro, na pele, nos lábios, na alma. E, assim, de alguma forma, estaremos sempre juntos.

Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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