Tenho saudades de quando minhas maiores preocupações eram tentar entender os Rock Melódicos do Adam e do Roberto Henrique, de me sair bem numa conversa racional com o Luís, de tentar encontrar o sentido da vida num papo na esquina com o Ronaldo, voltando a pé para casa.
Sinto falta de quando achar uma garota para beijar, ou melhor, achar uma que quisesse me beijar era meu grande dilema de uma noite gelada de festa junina. Sinto falta de quando meu grande medo era não ter feito todas as perguntas certas para o Stecanela enquanto falávamos de Harry Potter – ele um especialista e eu um iniciante na época.
Chateação era perder um pedaço do filme do Jackie Chan na TV enquanto eu e meu irmão dividíamos um saco de batata palha na cozinha, como salgadinho, e calculávamos mal a volta do intervalo para sala.
Dúvida era decidir entre filme clássico ou de zumbi na casa do Victor enquanto definíamos entre esfiha encomendada ou fazer em casa 4kg de lula frita para 5 pessoas. Drama era o Ronaldo me escolher primeiro para o time de futebol, por amizade, e eu ficar nervoso por saber que iria estragar o jogo.
Meta era conseguir invadir tantas festas quanto o Brenno e voltar com história boa para contar. Liberdade era uma tarde na casa do Rafael, vendo filme de comédia e jogando futebol no quintal, fazendo guerra de desodorante depois do almoço de dogão com Tubaína – e com medo de entrar na surra com todo mundo, caso fôssemos descobertos. Ou de ter uma conversa profunda às 4h da madrugada após uma festa esquisita.
Desespero era incendiar o tapete do Adam com lança-chamas improvisado e, sem querer, assassinar o passarinho com barulho de bombinha. Exemplo era ver o Alan e o Betinho dando duro no grêmio da escola para conquistar o mínimo de decência para nossa comunidade, ganhando nada além da melhoria do Jácomo pra galera. Ou então a resiliência de cada um revezando o controle para zerarmos Devil May Cry 2 na chácara dos avós do Adam.
Planejar o futuro era passar a tarde na livraria com o Roberto, depois do cinema, e ler cada capa de livro enquanto descobríamos novas piadas e humor em toda simplicidade da vida, parodiando músicas, imaginando diálogos para as pessoas ao nosso redor e gargalhando surpresos com nossas próprias ideias.
Sucesso era ter o melhor ranking no Counter Strike na Lan House, e colar na casa do Caio e passar a tarde jogando Rock Band enquanto discutíamos séries, filmes e livros.
Fracasso era não poder entrar em filme de terror classificado para 16 anos porque o Adam tentou comprar o ingresso com desconto da carteirinha que tinha data de nascimento e desmentia essa idade.
Projeto era começar novo RPG com a galera, mesmo sem saber direito o sistema de jogo, e terminar na casa do Robertinho escalando o muro e andando de skate na ladeira, e às vezes virando freguês falso de padaria no meio da tarde enquanto escutávamos Blind Guardian no carro da “tia padoca”. Tudo isso já planejando a nova campanha de Gurps ou Vampiro: A Máscara.
Resolução de problemas era consertar o corte na mão do Caio feito pela porta de vidro que quebramos, era arrumar outra porta de vidro, em casa, que eu e meu irmão destruímos numa briga… tudo antes dos pais chegarem.
Surpresa era começar a jogar taco perto da casa do Luís, em Pirituba e terminar na Praia Grande comendo pizza no calçadão. Era decidir ir a uma casa de esfiha em Santana e passar a noite comentando infância, filosofia e religião e saber que, mesmo sem um objetivo claro, tudo aquilo nos deixava melhores.
Hoje as saudades envolvem pessoas que se foram, mas estão a uma distância que WhatsApp não alcança.
Chateações e dúvidas estão num patamar que parecem, por vezes, irremediáveis. Os dramas nos abalam com lágrimas, pensamentos e não nos deixam em paz, exigem ações mesmo sem metas bem definidas.
Sim, porque os garotos viraram os homens da casa. Os desesperos são mais intensos, os fracassos batem à porta e precisamos batalhar diariamente. O grande medo é termos pessoas dependendo de nós e não conseguirmos suprir, esta é a grande resolução, tentar equilibrar a vida entre tantas armadilhas e abismos.
A dúvida hoje modifica relacionamentos, o sucesso é ver sorriso no rosto de quem amamos e os planos nunca saem como queremos – afinal, os planos deveriam sair da forma como imaginamos ou isso tornaria a vida um saco?
As piadas envelhecem, mas nos esforçamos para seguir com um sorriso no rosto, acima de projetos, falhas, resoluções e desesperos – não para entrar na onda da alegria forçada de hoje que nega a tristeza como parte essencial da vida, mas por saber que dá para ver graça até quando se está sendo chutado pela situação.
As coisas tendem a pesar mais hoje. Pode ser que seja pela época, pode ser pela nossa idade, afinal, os meninos cresceram, mas algumas coisas ainda ressoam em nós. Um eco do passado que nos fortalece, apesar das saudades. E essa força é também responsabilidade.
Resistimos! Por mais que as coisas pesem, foi cada passo juntos que nos ensinou a lidar e a suportar, mais que isso, nos mostrou como prevalecer sobre os fracassos e desesperos. Cada risada, história, drama e tempo que passamos juntos hoje se tornam exemplos de que dá para seguir em frente.
A frase da “velha” canção que escutávamos em tardes soltas permanece ressoando: “were you born to resist or be abused?”
A resposta para esse grupo é fácil, apesar da vida não ser!
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Baita reflexão como sempre, o saudosismo bateu forte aqui … mas a saudade é boa, saudade daquilo que vivemos tão bem..
Caraca !!! Muito bom relembrar esses momentos.
Tempo que passa e a saudades dos meninos traquinas, boas lembranças de ver todos reunidos na infância ❤️ Parabéns pelas recomendações, lindo post
Excelente texto e reflexão, é um grande privilégio compartilhar a vida com pessoas tão incríveis. Sempre orgulhoso de você meu irmão.