Seja isso o que for

As pessoas falam bastante de se tornarem obsoletas, de que os idosos não têm serventia para este mundo agitado e contemporâneo, mas vejo que não preciso ser muito velho para me sentir inadequado. Qual é meu dom, o que eu faço, afinal? Sou uma pessoa que tem talentos obsoletos, práticas perdidas e que ninguém quer, reconhece ou deseja. Nem sei ao certo se poderia chamá-los de talentos, dons ou apenas coisas que gosto de fazer, mas que saem da área dos hobbies.

Eu escrevo, converso, dou risadas, gosto de ver despencar sorrisos daqueles que amo e desejo bem, e curto abraços, fortes, apertados, com vontade, e com boas palavras sussurradas ao ouvido.

Não entendo das novas mídias, não me adapto à velocidade e instantaneidade que corroem nossas relações. Não sei me vender e nem sei se deveria. O que há em mim que outros gostariam de comprar, afinal?

Amo cinema, mas não gravei nenhum filme profissional e nem entrei em aplicativos de listas. Aliás, prefiro assistir a um filme e discuti-lo por horas numa roda de amigos, me deliciando em uma fala, um olhar, uma cena, do que ficar classificando quantidades absurdas de produções em “gostei” ou “não gostei” o mesmo com músicas, livros e muito mais. Sou um terror aos algoritmos e a mim mesmo.

Sou um quê de perdido, mesmo sabendo onde estou. Sou um quê de morto e passado, mesmo estando vivo e presente.

Sou obsoleto em minha própria existência, por mais que pareça estar funcionando, não estou. Pelo menos não nos padrões e formatos apresentados hoje.

Não à toa bate em meu peito a certeza de que nasci na época errada, de que eu poderia viver mais adequadamente em outro século, outras décadas, quem sabe até num milênio diferente. Bate em mim o desejo de não ser eu, ou melhor, de não ser eu mesmo nesse presente que exige o que eu não tenho a oferecer e contribuir. Não sei o que esperam de mim, mas dificilmente é o que tenho:

Eu sou um antiquado que escreve, conversa e ama. Um romântico perdido em frases sonoras, palavras que se iluminam apenas em minha mente e que, cada vez mais, se tornam tábuas flutuantes de algum naufrágio ocorrido no mundo, não sei quando, nem bem como. Estou no mar, à deriva, mas ainda vivo e respirando de alguma forma.

Vivo…

Isso, por mais que pareça pouco, deve significar algo. Pelo menos algo mais perante expressões como adequado, serventia, obsoleto, padrão e formatos. Se viver não for algo a mais que “audiência, seguidores ou formatos”, não sei exatamente se estou realmente aqui.

No entanto, se viver for um pouco a mais, então acredito que ainda há uma brecha, um espaço, um momento que seja, em que palavras importem, em que abraços aqueçam o coração e deem mais sentido à existência do que apenas os números em nossas telas.

Se são tudo só signos levando a outros signos numa cadeira infinita, pergunto-me, enfim, a que “vida” me leva. Sem dúvida ela é mais ampla e causa uma imagem acústica mais rica, um interpretante mais interessante e permite mais conexões do que apenas “obsoleto”.

Não sei bem para que sirvo, o que sei fazer ou o que acrescento às pessoas ou ao mundo, mas a cada palavra dita ou escrita, meu coração me dá a certeza de que é para isso que estou aqui, seja “isso” o que for…

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Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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