O que descobri

Quando eu tinha 16 anos de idade, comecei a fazer coisas que nem eu mesmo entendia, estava tentando competir em uma área na qual não me encaixava. Enquanto todos os meus colegas estavam preocupados em curtir a vida, eu estava pensando e refletindo sobre coisas que talvez não “deveria”.

Não me reconhecia naqueles que pareciam ser meus pares, mas tinha amigos à minha volta, mesmo que ninguém entendesse os meus olhares, risos, dramas e revoltas. Cada pedaço e detalhe eram um pouco de inspiração, ao mesmo tempo uma angústia, porque aquilo que eu via, os outros não viam não.

Pensava demais sobre relações, pessoas, princípios e como levar a existência. O tempo parecia meu inimigo em toda essa jornada e, mesmo só começando, acreditava que eu estava em decadência. Talvez seja uma sensação comum para quem não segue as tendências.

Minhas perspectivas diferentes também eram um pouco meu problema. Se todos gostavam de algo, eu virava a cara, quem sabe sem dar a chance devida a uma música, pessoa ou novo programa. Difícil explicar as sensações que isso causava, mas me incomodava com a unanimidade.

E pouco a pouco me permiti fazer algo que quase ninguém fez naquele momento: escutei os mais velhos, suas canções, prestei atenção às suas histórias, suas vidas, ensinamentos, erros, seus filmes e o que os transformou no que eram. Reconheci suas dores, narrativas e como a vida tem um pouco de si mesma em tudo que vive, ou seja, o que estavam me vendendo, de que eu era diferente de todos que já estiveram por aqui por ser jovem, era mentira!

Por um lado, ninguém é igual, por outro, passamos por dores semelhantes, alegrias e sorrisos que aquecem os corações. Notei isso porque as pessoas mais novas ao meu redor vieram me contar suas histórias também. Participei de todas elas, as antigas, as novas e, quem sabe, as que estariam por vir.

E se nenhum produto de “meu próprio tempo” falava comigo, nem ressoava no meu peito como deveria, decidi fazer o impensável para aquele garoto de 16 anos. Se o que era antigo parecia não ser para mim e o novo também não, bem, que alternativa havia?

Resolvi construir minhas próprias histórias, escrever poemas que eram quase como minhas canções, e prosas que me carregavam pela vida e traziam um pouco de cada ensinamento que vi, ouvi e construí em minha imaginação, preenchendo lacunas.

De toda aquela estranheza que eu mesmo me causava, vieram as palavras que eu ia reorganizando de forma a surgirem novos mundos. As palavras para salvarem minha alma!

Em perspectiva

O que havia acontecido com os “bons tempos” que os mais velhos me diziam ter existido? Um pouco que tateando no escuro, descobri que os meus bons tempos estavam sendo vividos naquele exato momento e isso sim fez toda a diferença.

Ao mesmo tempo em que olhava para cada pessoa ao meu redor de maneira presente, olhava-as também de forma histórica e como se encaixavam numa narrativa maior da existência, da minha vida, no contexto que estávamos. E, mesmo vivendo o momento, já sentia uma leve nostalgia a cada segundo que se passava, sempre vivendo em três momentos ao mesmo tempo: o agora, um pouco no futuro e o passado de cada instante.

E quem era eu, afinal?

Será que era um escritor só porque meus amigos decidiram me chamar assim ao saberem de meu primeiro livro ainda na adolescência? Talvez eu não me sentisse dessa forma, não me encaixava. Quem eram meus escritores pares? Não os conhecia. Os que sabia de ler e ouvir falar eram muito melhores, maiores, mais famosos. Já eu tinha uma sala com amigos e colegas que poderiam me olhar dessa forma, mas de que isso valia? Muito, mas soube depois…

Meu pensamento mais frequente, um pouco consequência de como olhava o mundo, era de que, mesmo só estando no início da jornada, eu estava sem tempo… sim, ele, meu inimigo não declarado, escorrendo pelas beiradas de minha essência.

Escrevi sobre ele, sobre como envelhecemos, de como perdemos chances, oportunidades. Falei de como devemos tomar a frente de algumas situações e não sermos coadjuvantes em nossas próprias vidas. Entretanto, falei também da dor e da beleza de viver, de criar nossas próprias histórias e narrativas, de como era maravilhoso guardar cada momento nos pedaços de nossa memória e poder reviver a qualquer hora que quiséssemos e precisássemos. Sim, porque se as palavras salvam nossas almas, as memórias é que as abençoam.

Sentia as coisas se apressando ao meu redor. Tínhamos já bastante coisa do que há agora, mas não da forma como estão. Eu sentia uma vibração no ar de que tudo iria mudar muito cedo, e que as coisas iriam se acelerar ainda mais. Um silêncio antes da tempestade, uma energia eletrostática que nos arrepia sem explicar exatamente como. Não se sabe, sente-se.

Hoje vejo que o tempo não é meu inimigo, mas nós começamos a tratá-lo tanto dessa forma que nos perdemos.

Qual é o seu tempo?

Meu ponto é simples, a culpa não é das ferramentas que usamos, mas é delas ao mesmo tempo. Não amaldiçôo o computador, o celular, a internet e as redes sociais, mas nos perdemos na forma de usá-los.

Entenda que um martelo, um liquidificador, um computador ou uma máquina de lavar têm o mesmo princípio: são ferramentas destinadas a facilitar algo em nossas vidas, para fazermos as coisas com um pouco mais de rapidez, de facilidade. Objetos eu se tornam extensões de nós mesmos e que nos ajudam a executar funções.

Minha pergunta é: para quê?

Se antes fazer um bolo exigia começar moendo os grãos para transformar em farinha, acender um forno a lenha e aguardar uma fermentação natural para depois assá-lo (entre muitos outros passos), hoje fazemos isso de maneira mais rápida, mais fácil. Temos farinha pronta nos mercados, fermentos em pó, fogões a gás ou por eletricidade etc. Algo que poderia levar cinco horas antes, hoje é feito em 40 minutos, talvez menos. Isso é maravilhoso.

Isso se repete para todas as ferramentas que inventamos e criamos. Quero apenas que você pense no motivo pelo qual elas existem. Para mim parece bem óbvio: tempo!

Cada uma dessas coisas nos economiza tempo, permite que algo seja feito de forma mais rápida hoje. E por que queríamos isso? A meu ver, menos tempo em uma atividade é mais tempo que nos “sobra” para outras.

Parece claro para mim que queríamos mais tempo para atividades que nos davam prazer, enquanto diminuíamos os momentos gastos com coisas triviais ou que não ressoavam em nossas almas.

E é aí que essa inversão é incômoda. Porque se antes nós produzíamos ferramentas para nos ajudar e nos permitir ter mais tempo, hoje usamos essas ferramentas (que têm uma capacidade absurda, uma velocidade imediata e são muito superiores a nós em muitas coisas) de forma a comprimir o tempo que temos. Queremos adicionar atividades, trabalho e mais coisas em cada pequeno instante de nossa vida. Hoje queremos acompanhar o tempo de uma ferramenta que não é humana, queremos nos adequar a algo que é fora de nossos padrões.

Não é a ferramenta que nos serve, nós é que a servimos e a temos como um modelo, na medida em que tentamos nos adequar a ela o tempo todo. É uma loucura comparável a de querermos correr na velocidade de um carro, porém com nossas próprias pernas.

Queremos receber informações como computadores, estar conectados como as redes e fazer tudo caber dentro de um período de vida que é finito e único, que é especial e deveria ser visto como tal… e estamos tratando isso como algo banal, que interessa menos que fotos, que frases de efeito que não dizem muito em seu âmago, que o maravilhamento com a coisa, em detrimento do nosso tempo humano, curto, escasso e sagrado.

Algo a se aprender em como utilizar a tecnologia

Adoro pensar no exemplo de Star Wars com a tecnologia. Independentemente de você gostar da temática ou se sentir atraído pelos filmes, é inegável dizer que eles têm uma relação com a tecnologia muito melhor que a nossa. Há naves que viajam na velocidade da luz, hologramas, comunicadores a longas distâncias, sabres de luz, lasers,veículos dos mais variados tipos e de fontes de energia e, no entanto, você não vê os personagens ansiosos por quererem ser tão rápidos quanto a tecnologia. Ela é simplesmente um apoio, algo que usam quando necessitam e não para tentar sufocar o tempo que têm como seres vivos.

Tudo isso me faz pensar que fizemos o tempo de inimigo, mas fomos nós mesmos que criamos nosso carrasco. Nós estamos nos matando sem ajuda de ninguém e, de maneira irônica, em menos tempo.

E hoje escrevo isso porque nem eu mesmo compreendi minha jornada, e tudo bem, pois sou humano e não deveria ter todas as respostas, muito menos no ponto de partida da caminhada. Não sou um sistema no qual se pode rodar um diagnóstico em segundos que saber o que há de certo, errado e etc. Parece difícil aceitar essa ideia hoje, mas, por favor, parem um momento, respirem.

Esse longo texto provavelmente os deixou ansiosos, é muito tempo vendo e lendo a mesma coisa… Pode ser, mas essa sensação é sua mesmo ou foi colocada em ti pelo ritmo que estamos nos impondo. E daí se o feed avançou e você perdeu algo, isso muda sua vida? Estamos nos distraindo de nós mesmo para não encarar sei lá o que.

Reparem quando estiverem em casa com a família no sofá, vendo, digamos, Netflix. Se alguém precisa ir ao banheiro ou quer buscar um petisco na cozinha, no exato momento em que a série ou filme é pausada, todos os outros integrantes puxam o celular para olhar algo… Mudamos a atenção de uma tela a outra e um pouco sem sentido. Quebramos o ritmo de concentração, mudamos o foco, não conversamos com quem está ao nosso lado e para quê? Para ver se chegou uma mensagem de alguém longe que provavelmente não faz muita diferença, ou pra analisar o que apareceu de novo na linha do tempo… nome engraçado para algo que consome a nossa.

Sem querer ser chato, mas treinamos nosso cérebro a mudar de direção a cada momento e depois reclamamos se algo mantém uma linha por mais de 15 segundos. Assistimos filmes e séries e nossos comentários se reduzem a “gostei ou não gostei”. Perdemos profundidade, deixamos um bom papo de lado e nos preocupamos com a energia de nossos aparelhos, mesmo que às vezes nós mesmos estejamos esvaziados.

Me chamem de velho, mas aquele magnetismo todo no ar que pairava no final dos anos 2000 em meu peito se consolidou como um medo mais palpável do que eu poderia imaginar. A minha pergunta é: e agora? Não sei a resposta, mas achei importante falarmos sobre isso.

E agora…

E agora te conto essa breve história, esse pedido de calma, de parada, de respiro, de apreciação de si mesmo, das pessoas a seu redor e da vida em si. Deixe o tempo correr um pouco sem achar que a afobação te levará a algum lugar. Correr “parado”, olhando sua tela de celular ou computador, não te levará a uma condição melhor, a uma compreensão da vida. Permita-se sentir, respirar, pensar sobre si mesmo, relembrar quem você é, quem gostaria de ser.

A criança esperançosa que você já foi um dia iria gostar do que vê hoje? Essa resposta é difícil, e talvez seja o motivo pelo qual eu vejo que sabia muito mais coisa quando era jovem. Leio minhas próprias palavras gravadas e penso que gostaria de saber as coisas que aquele garoto sabe e me conta em suas simples, breves, porém sábias linhas.

O tempo é um aliado, não um inimigo, nós é que o temos tratado de forma errada e, consequentemente, a nós mesmos.

Quando eu tinha 16 anos, comecei a fazer algo que não entendia bem, mas talvez não fosse para entender mesmo, apenas pensar, sentir e viver. É isso que me faz quem sou, é isso que nos faz humanos!

Pelo menos, por enquanto, foi o que descobri…

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Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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