Angra dos Reis (SL) – especial Dark

Rode a música, curta a história e a homenagem à série… antes que o tempo acabe.

– Olhe essa cidade, essas pessoas, eu só queria fugir daqui! Não suporto essa mesmice, esse frio que ultrapassa a pele e alcança minha alma.

– E por que não se vai, Jonas? O que te segura, afinal? – perguntou Marta, de um jeito leve, como só ela sabia ser.

Ele se retraiu no momento em que escutou aquilo. Por um lado, acreditava que havia alguns motivos para ficar. Seus pais, uma vida tranquila morando sempre perto dos amigos. Entretanto, tudo isso parecia tão distante agora, apenas um motivo gritava dentro dele. E ele estava exatamente em sua frente: ela.

– Sei lá. DeixaSe fosse sempre assim, quente, pelo menos.

– Você quer abandonar a cidade porque faz frio aqui? Pare de ser bobo, Jonas, deita aqui perto de mim, vem. Olhe esse céu, esses pássaros, as árvores…

– Tem razão, Marta, tem dias que tudo está em paz. É que aqui, às vezes, e mesmo agora, os dias são iguais.

– Mas se você tem essa vontade toda de viver dentro de si, por que não vai, não se joga no mundo? Não me diga que tem medo de sentir saudades?

Se fosse só sentir saudade, tudo bem, é que – ele parou de falar, virou o rosto e sentiu a grama tocando sua face enquanto a fitava nos olhos, esteve prestes a dizer, mas não disse – mas tem sempre algo mais… Seja como for, ainda não me decidi.

– Mas ainda está com ela, não? – ele teve um sobressalto.

– Quem, Marta?

– Ela, Jonas, é uma dor que dói no peito, essa vontade de querer e não conseguir realizar – ela nem imaginava o quanto estava dizendo a verdade “pode rir agora“, pensou consigo, aliviado, mas não tanto, pois que estou sozinho, permaneço sozinho.

Mas não venha me roubar, não, Marta. A função dramática é minha aqui e não sua – brincou, tentando esconder os sentimentos de si mesmo.

– Levanta daí, vamos!

– Para fazer o quê?

Vamos brincar perto da usina!

– Mas esse é o nosso santuário, nosso lugar – ele só queria permanecer sozinho com ela… “Permanecer”, uma palavra muito forte para seres vivos.

Deixa pra lá, a Angra é dos Reis, vamos achar um lugar mais interessante. Você não disse que estava cansado de mesmice? Aqui é muita paz – e, mesmo assim, “meu peito palpita forte em ter você comigo”, pensou Jonas.

– Nunca entendi esse nome, não é só um lago?

Por que se explicar? É um nome apenas. Quando nomeamos algo, não precisamos de explicações.

– Dar nome é criar, Marta, é chamar à vida! Se não existe perigo em falar, por que Deus teria dado esse dom apenas a nós? É uma espécie de poder.

– Você é uma pessoa curiosa, Jonas. Kilian é mais simples, não pensa tanto… – e nesse momento ele se retraiu levemente, “senti teu coração perfeito batendo à toa… e isso dói”.

Seja como for, Marta! Vamos, então – é uma dor que dói no peito, e ele nem sabe explicar de que forma, como se houvesse um vazio e, ao mesmo tempo, um algo a mais.

Caminharam.

Pode rir agora, Jonas – disse ela ao chegarem – aparentemente, a usina está mais tranquila que o lago, afinal! – “não consigo rir”, pensou ele, pois mesmo contigo, sei que estou sozinho.

Jonas sentia um vazio, uma angústia, um silêncio interno que era como o presságio de uma tempestade a ocorrer, como se não pertencesse a nada, e como se não pudesse permanecer, pois havia algo de errado. Ele sempre sentiu que havia algo de errado. Não sabia do futuro. Por ora, só sabia que existia e que nutria algo por Marta, algo forte, “mas não venha me roubar”, pensava. De tudo que não sabia, pelo menos tinha noção de que tinha a si mesmo e sabia quem era, por ora…

Uh! Uh! Uh! Uh!”

O pio da coruja veio como um mau presságio no final do dia. E apesar de tudo ter corrido bem naquela tarde quente, logo mudaria. O suicídio de seu pai, o incidente na caverna, os fatos estranhos, a matéria negra na usina e as descobertas. Ah, quantas descobertas.

Jonas viu que não poderia se fiar nem a si mesmo, que não tinha certeza de qual de suas versões era real, quem estava certo e quem estava errado. Talvez todos estivessem navegando entre os dois espectros. “Dois, apenas?”. Mais, muito mais.

E quando se deu conta de que Marta era seu amor e que por ela não havia abandonado a cidade, se arrependeu de ter ficado, se arrependeu de não ter desistido, de destruir o mundo por esse amor que o traiu e se transformou numa guerra. No entanto, de alguma forma, nunca se arrependeu de amá-la, mesmo quando descobriu se sua própria existência não passava de um erro criado por um paradoxo…

Será que toda a vida não seria fruto de um erro originado muito além, em outro tempo e espaço?

E chegou o derradeiro momento, em que Jonas e Marta se reencontraram. Haviam conhecido suas versões mais velhas, mais amargas, machucadas, tristes, desconfiadas. E foram os próprios adultos e idosos que estragaram seu eu adolescente e o de Marta, que os manipularam. Porém, foram exatamente os anos de experiência deles que permitiram olhar tudo por outra perspectiva.

Depois de ver seus amados morrerem, reaparecerem e os traírem de diversas formas, seria normal que não acreditassem em ninguém. Entretanto, chega um momento em que a dor é tanta que sobra apenas uma paz melancólica no peito ao se encarar um possível fim. E é aí que estavam, e é nesse ponto que se pode dar ouvidos ao que antes parecia impossível, a quem tanto se amou e quem tanto se odiou.

Jonas e Marta frente a frente. Os novos Adão e Eva, responsáveis pelo início de um novo mundo e pelo fim do mesmo.

– A culpa é sua, Jonas! – disse Marta – Sua ânsia em me destruir trouxe ruína a todos.

– Não, Marta. Foi nossa vã esperança em achar que poderíamos consertar algo, porque nos agarramos ao que nunca nos pertenceu: a existência.

– Isso é loucura!

– Pode ser, Marta. Mas vai ver que não é nada disso que acreditamos, que as coisas estão além; vai ver que já não sei quem sou, que me perdi em minhas versões. Vai ver que nunca fui o mesmo, e a cada viagem e tentativa me tornava menos eu mesmo, me aproximando na não-existência que sempre me foi devida.

E nesse momento ela entendeu, viu em seu olhar a verdade revelada desde quando eram jovens despreocupados em tardes infinitas. “Você também me amava, afinal!”, balbuciou antes de completar:

– Então, a culpa é toda sua e nunca foi?

– Sim, Marta, sempre foi nossa, mas também não era de nenhum de nós. Somos acidentes advindos de um sentimento em outro plano de existência. E depois de enfrentarmos tantos finais, me arrependo de muita coisa, menos de uma.

– Do que não se arrepende?

– Olhe ao nosso redor, desfizemos isso mais uma vez e tudo pode acabar. Depois de tantas versões do fim do mundo, acabamos por destruí-los de forma que nunca tivessem sido chamados à existência. Mas não me arrependo…

– Do que, Jonas? Por favor, preciso ouvir… – e uma luz tênue começou a desfazê-los pouco a pouco enquanto ele se aproximava dela com um olhar conhecido. Ela identificou o mesmo carinho no olhar daquele dia na grama.

– Marta, mesmo se as estrelas começassem a cair e a luz queimasse tudo ao redor. E fosse o fim, chegando cedo, e você visse o nosso corpo em chamas

– Me diga, por favor! – ela suplicou, e ele não sabia se teria coragem, mesmo naquele momento.

Deixa pra lá

– Não, não posso deixar. Quando as estrelas começarem a cair, me diz, por favor, me diz pra onde é que a gente vai fugir?

– De tudo que não deveria ter existido, Marta, só não me arrependi do amor que tenho por você. Para onde vamos fugir? A resposta é óbvia demais para ser ignorada: finalmente, não precisamos mais correr – e, num abraço, desapareceram um no outro.

Talvez nunca tivessem existido, afinal. Ou talvez tenham ficado como um sentimento eterno numa brecha de realidade do universo que não era afetada pelo Tempo, nas lembranças de suas almas, fixadas numa tarde gostosa à beira do lago conhecido como Angra dos Reis, quando o sol tocava a pele e o amor aquecia o coração de dois jovens.

Deixa pra lá!

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Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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