Caminhava pela rua com as mãos no bolso. Não se pode dizer que seus passos ecoavam na calçada porque não estava batendo os pés de maneira tão forte e decidida a ponto de fazer tal som a se destacar em meio à cidade barulhenta, mas andava.
Encontrou um conhecido. Não se pode dizer que eram amigos, mas haviam estudado juntos em algum momento da vida:
– Cecil, como vai? – perguntou, entusiasmado, o antigo colega.
– Estou ok, Carlos!
– “Ok”, Cecil? Alguma coisa ruim aconteceu?
– Não!
– Então por que não está bem, ótimo, incrível?
– Ah, não estou nem bem, nem mal. Apenas ok.
– Entendo… E para onde está indo? Um encontro com uma garota especial, um novo trabalho, um filme super aguardado no cinema, quais são os planos?
– Não estou com nenhum plano…
– Então é aquela caminhada para refletir, deixar a mente viajar e permitir que as surpresas da vida te tomem de assalto a qualquer momento! Um flâneur típico, clássico, sem saber onde o dia ou a noite pode acabar, em uma festa, numa enrascada, num novo projeto de vida ou numa roda de samba da boemia!
– Não… estava só caminhando mesmo, voltando para casa depois de pagar algumas contas na Lotérica ali, na rua de trás.
Carlos queria perguntar mil outras coisas, mas depois das respostas de Cecil – nem frias, nem quentes, nem alegres, nem tristes –, o amigo se desmotivou. Bem, não se pode dizer que eram amigos. Cecil nunca chamou ou sentiu a verdadeira amizade, um parceiro, alguém com quem brigar por e com. Ele só estava ok.
Sua existência era assim em geral: não amava, mas também não odiava. Deixou-se quedar no trabalho de contador, não porque fosse bom com números, mas porque fora o que lhe calhou na vida de aparecer um pouco antes de qualquer outra ocupação como padeiro, pedreiro ou meteorologista.
Lá pelas tantas, pouco depois dos 25 anos, encontrou uma garota. Não se interessou logo de cara, mas também não quis se afastar. Riu algumas vezes conversando com ela. Não se pode dizer que eram gargalhadas, mas sorrisos que traziam à mente algum sentimento bom e passageiro, bem breves. Ela não o achou belo, mas também não podia julgá-lo feio. Era normal de aparência (se é que alguma aparência é normal), de altura, financeiramente, de humor e de decisão.
O casal se completava em certo sentido, sabiam escolher entre café e chá ou mesmo dizer o sabor de pizza que preferiam em uma noite ou outra. No entanto, não tinham uma comida favorita, uma canção favorita nem nada do tipo. Não por se emocionarem com tantas que a escolha lhes era difícil, mas simplesmente porque não pensavam sobre o assunto.
Casaram sem serem arrebatados pela paixão. Cecil trabalhou sem ser tomado pela ânsia do propósito. Frequentaram jantares sem nunca se embriagarem, se perderem numa dança deliciosa e sem cantar em voz alta uma música que mexesse com o coração.
Ninguém poderia condenar Cecil por ser intenso, empolgado ou cheio de energia, mas também não podia se dizer que fosse depressivo, triste ou angustiado. Em certo sentido, só era. Sem equilíbrio e sem arroubos.
Cecil não se machucou muito na vida, também não foi feliz em nenhum momento.
Foi acometido de Acidente Cardiovascular numa terça-feira à tarde, por volta das 15h, um momento em que nada de especial acontece. Quando informaram a esposa do ocorrido, os médicos disseram que Cecil não partiu serenamente, mas que também não foi um processo extremamente doloroso. A esposa só balançou a cabeça. Não se atirou ao chão, não chorou, não ficou em choque. Nem triste, nem alegre.
Cecil morreu, enfim… mas não se pode dizer exatamente que viveu!
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