Num momento em que tanto é dito, pouco é compreendido e as palavras são repetidas até a exaustão e perda de sentido, faço um convite a diminuirmos a velocidade e voltarmos o olhar para coisas que importam: para você e para as pessoas que estão ao nosso redor.
Estamos realmente impressionados com a aceleração que criamos para o mundo, como nos conectamos, temos acesso instantâneo às coisas, criamos tecnologias e formas de usá-las incessantemente, mas esquecemos que o humano em si não mudou como nossas ferramentas.
Ainda somos os mesmos homens e mulheres de alguns milhares de anos, temos nosso próprio ritmo e tempo, podemos forçar um pouco a barra de vez em quando e sermos até bons nisso, mas permanecer num estado constante de esforço, mudando de uma coisa para outra sem pausas, nos enlouquece.
Essa reflexão parece tão óbvia e simples que nem deveria ser feita. Não somos como nossos aparelhos e, portanto, não deveríamos tentar nos comportar no ritmo que eles podem nos oferecer. O que digo é que, se deixarmos o celular ligado à tomada, por exemplo, podemos usá-lo de maneira praticamente ininterrupta e ele mantém o acesso, rapidez e agilidade, nós não!
Assim como um martelo pode bater forte em um prego, o celular pode ficar on-line direto. Nós nos machucamos ao bater com mãos nuas em um prego, por que, então, achamos que não há problema em estar ligado o tempo todo?
Recentemente, terminei de ler o Trabalho de Conclusão de Curso de uma colega jornalista e pesquisadora sobre saúde mental. Seu TCC consistiu, mais que “apenas” uma pesquisa de dados, em um livro-reportagem com personagens que sofrem dos males de ansiedade e depressão.
Ela decidiu dar voz a eles mesmos para que contassem como descobriram, enfrentaram ou enfrentam a doença. É um belo trabalho, com significados, vozes distintas e que trazem à tona uma discussão que parece tão óbvia. Algo sobre atenção, olhares, gritaria, pressa, dar um tempo à mente, ao coração, ao corpo e sobre aceitação e inconformidade, impulso para mudar. Mais que isso, ela permite que as próprias pessoas que sofrem dos males contem sua perspectiva da coisa, sem deixar os dados de lado, mas humanizando a discussão.
Quando nos perdemos de nós mesmos, as coisas podem ficar bem ruins, piores do que imaginamos. E é sobre saber se dar esse tempo que quero falar. Há fatores genéticos, pontos na história das pessoas que causam traumas e diversos outros motivos para que se instaurem os quadros de ansiedade e depressão. Entretanto, a dificuldade do diagnóstico, a demora em reconhecer os problemas e lidar com eles logo de cara têm fatores em comum: a falta de atenção.
As pessoas não prestam atenção a si mesmas e aos que estão ao nosso redor. Temos uma atenção vacilante, superficial, fraca. Parece que estamos conectados, politizados, cheios de significados, mas não conseguimos parar, respirar, olhar e respeitar a nossa própria dor e a dor do outro. Queremos respostas prontas, opiniões formadas e partir para o próximo tema e nem mesmo arranhamos a superfície do que nos faz humanos. O que adianta fingir tratar de grandes temas se nem mesmo sabemos o que se passa dentro de nós?
E não digo que precisemos de uma resposta concreta e sólida sobre o que somos e sentimos, mas sim que é preciso parar e dar esta chance aos nossos sentidos e sentimentos. “Partimos para a próxima” sem mesmo nos darmos a chance do luto. Mudamos de assunto sem ver o que aquele primeiro significou a nós. Parece que temos tanto a ver e a saber que não podemos parar e analisar como nos sentimos perante algo e isso nos desgasta. No final, temos acumuladas caixas e caixas dentro de nós que nem mesmo sabemos o que há dentro.
Tanta informação passa por nossos olhos e retemos tão pouco. Queremos ser vistos, mas não olhamos aos outros. Pior, não olhamos a nós mesmos!
O livro de Isabelle Caiazzo Taranha, a colega do TCC, é um convite a dar o tempo certo, ouvir a si mesmo, às outras pessoas, prestar um pouco de atenção e deixar a gritaria de lado.
O que quer dizer que, por mais que tenhamos desenvolvido e evoluído as ferramentas que usamos, precisamos ter muito claro que nós, como seres biológicos, orgânicos, compostos de parte física, mental e provavelmente espiritual, temos nosso próprio ritmo e tempo.
O mundo muda a uma velocidade absurda atualmente e isso parece ser um novo mantra. Mas será que muda tanto assim? As questões mais básicas das pessoas, seus sentimentos, formas de agir e anseios ainda se parecem muito com o que lemos em clássicos como Bíblia, filosofia grega e muitos outros.
A explosão de casos de depressão e ansiedade mundiais reflete um pouco isso. Bem como a constante perda de sentido e aumento do suicídio, mesmo em países considerados com ótima qualidade de vida. Ou usamos os índices errados para qualificar a vida, ou precisamos ver que ela ultrapassa o simples bem-estar do consumo.
Quando tratamos de bem-estar, não falamos apenas em tomar litros de água, fazer exercícios, ter oito horas de sono por noite e comer vegetais, falo de termos tempo para lidar e entender nossos próprios sentimentos, compreender situações e poder parar e fazer aquela valiosa análise interna de como estamos nos sentindo, como vemos determinadas coisas. Até como gastamos nossa energia importa.
Tendemos a achar que maturidade é pagar nossas contas e suportar o máximo de situações desagradáveis, encarar tudo como normal, mas isso não passa nem perto. Maturidade é sabermos nossos limites, entendermos até onde podemos ir sem surtar ou prejudicar a nós mesmos e às pessoas ao nosso redor. É uma questão de equilíbrio, é a maneira que a vida deve ser vivida, pois cada pessoa tem seu próprio tempo, seu próprio significado, maneira de ver, tocar e marcar o mundo.
Padronizar é matar, acelerar é perder os detalhes mais belos de nossos sentidos e sentimentos.
O livro que citei, “Saúde Mental: Os Desafios de quem sofre com Ansiedade e Depressão”, é um convite a ouvir, pois nos deixamos levar pela ansiedade de um mundo que grita sem sair do lugar, que berra sem saber o que quer dizer, é como estar muito próximo a uma caixa de som em um volume absurdo, é tão alto que as coisas não estão mais claras e sim distorcidas.
Estejam atentos ao que importa, a si mesmos e às pessoas. O sofrimento não é para ser ignorado e se o for, tende a crescer em vez de diminuir. Enfrente, escute, atente-se. Em tempos de gritaria, preste atenção aos sussurros do seu coração e daqueles ao seu redor.
Como disse o poeta em uma canção, “o sol é um só, mas quem sabe são duas manhãs”. Há diversas manhãs e perspectivas, realidades que nem sabemos porque não nos deixamos ver, dentro e fora de nós.
Permitam-se sentir a dor, a angústia, a tristeza. Isso tudo faz parte de você, sim, assim como a alegria, ansiedade, entusiasmo também fazem. Apreciem seus sentimentos como a uma boa refeição, como a uma obra de arte, como a uma música que escutam repetidamente e que te traz nuances diferentes a cada momento.
Não tenham medo de falar o que dói, não tenham medo de escutar que os outros têm dores. A gente descobre a si e aos outros. Não tenham pressa para consigo.
A gente grita tanto que parece que é para cobrir o barulho do nosso silêncio interno. Cale a boca e os excessos para dar voz ao essencial!
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