Começo pedindo desculpas aos meus leitores, não tenho a intenção de dizer que um dia as coisas foram melhores, são apenas diferentes.
Ele era menino na época em que intimidade era beijar na boca e conseguir roçar na pele da menina, sem saber se havia conquistado aquele espaço ou se ela não tinha notado o toque (que tolice, claro que notavam! Elas sempre notam, e nos permitem – e como é deliciosa a permissão, você foi merecedor segundo as batidas do coração da garota, que honra!).
Estavam em junho, numa festa com as tradicionais barraquinhas e até mesmo uma fogueira improvisada na rua. Isso às vezes ainda acontecia nas ruas calmas da cidade.
Os amigos se separavam em grupos masculinos e femininos, tentando atualizar paqueras, pedir ajuda dos colegas, rir de coisas proibidas de um grupo para outro, trocar olhares a distância para, uma vez próximos, fingirem que nada havia ocorrido.
E foi ali, quando conversava com um amigo, que avistou a tal garota. Para os outros talvez fosse só mais uma, mas ela fez os olhos do garoto brilharem. Sabe quando estamos conversando com alguém num local barulhento e somos obrigados a nos chegar ao ouvido do interlocutor? Pois tanto ele quanto ela assim estavam, cada um conversando com seu respectivo colega. A posição não é a melhor para uma longa conversa, mas é boa para uma rápida confidência – e deixa nossos olhos livres para absorverem o ambiente.
Os olhares daqueles dois se encontraram e se absorveram.
No entanto, não era tão fácil e nem tão simples, a troca de olhares era apenas o começo, a primeira barreira a ser vencida.
Como eu disse, o beijo era ato íntimo e era o alvo de uma noite adolescente. Não há hipocrisia, claro que os corpos ardiam por mais, tal qual a fogueira na rua fria, mas controlar os tremores e microexplosões de nossos desejos era também uma prova de respeito para com o outro e consigo mesmo.
“Era a forma que tínhamos de nos diferenciar dos animais, de não transar em um canto da rua antes de conhecer mais a fundo a pessoa”, alguns podem dizer. No entanto, prefiro ressaltar que era a melhor forma de sorver pouco a pouco as delícias do toque leve; daquele medo de avançar que se misturava com a vitória de mais um pedaço conquistado, para os dois; de poder aproveitar cada pouco do “muito-tanto” que cada outro nos pode dar, oferecer, entregar. Não somos apenas varas e orifícios, afinal.
E entre olhares, pedindo para alguns amigos fazerem a ponte (e depois fingindo que de nada sabiam), aproximaram-se. A princípio disfarçando o nervoso, cantarolando uma música da qual nem gostavam, talvez. Tudo vale para aliviar as acelerações do peito.
Eles acharam um canto mais calmo e foram conversar. O frio foi um pretexto para se aproximarem. Muito papo rolou ainda e a noite avançou bastante antes do ápice. Dividiram uma maria-mole e uma Coca, ainda não bebiam vinho quente, era impensável!
E com aquela roupa xadrez, a dele com tons de azul e a dela de vermelho (meu Deus, como ela é linda com seus cabelos escuros contrastando com o vermelho da sua roupa, e com essa calça jeans, eu nunca a tinha visto de jeans, como os cabelos dela brilham! Só perdem para seus olhos…), resolveram, pouco a pouco, deixando algumas palavras morrerem no canto dos lábios, que o silêncio os envolvesse, elevasse a tensão, a expectativa.
Ele fitou aqueles olhos brilhantes, aquele cheiro de pele jovem o invadiu, ele também o era. Sua visão se concentrou naqueles lábios rosados, sem batom, pois ele já tinha sumido, deixando algum grão de açúcar da maria-mole no lugar, quase imperceptível, mas aqueles lábios eram sua única visão, como uma lua cheia crescendo nas pupilas. Embriagante.
Quem sabe por isso as coisas eram diferentes, permitia-se que a tensão alcançasse tal ponto que as próprias emoções embriagavam. A luta entre a fogueira no peito de saciar desejos e o respeito que aqueles olhos impunham ao mesmo tempo em que atraiam. Ah, que sensualidade há no controle de si. De se permitir sonhar com “algo a mais” por mais uma noite antes de chegar às vias de fato.
Estavam cuidadosos no lidar um com o outro, como se não fossem da cidade apressada, como se as poucas árvores ao redor fossem muitas e houvesse um sertão de calmaria os envolvendo. Não apagando o que sentiam, mas trazendo consigo o sentimento de que havia um amanhã e que, viver o presente intensamente não significava fazer tudo como se amanhã se fosse morrer, mas sim reconhecer no dia seguinte uma continuidade, mais uma pedra da construção que se começava no hoje. Era como plantar uma semente, sentimento caipira de quem sente o que já não se sente.
Assim mesmo, com um amor urbano se fingindo de caipira, sem nenhuma conotação pejorativa a nenhum dos dois, sob um céu limpo e ainda estrelado, com brisa gelada que incentivava ao abraço daqueles dois corpos adolescentes cheios de tremores e vontades. Beijaram-se, como seus olhos já haviam se beijado antes mesmo de conversarem
Antes que a noite acabasse ele quis dar um urso para ela, mas não deu certo. Terminaram a noite sorrindo, jogando as cartas do mico. Ele era péssimo na pescaria!
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