Para ela

escada tatianaEu já a tinha visto na escola, mas o contato mais próximo se deu em uma “festa” (as aspas ao termo se aplicam, quem participou sabe – desde cubos de espelho até lâmpadas mais claras do que deveriam para um clima de festa/balada) na casa de um amigo.

Antes do fim da noite me peguei conversando com ela e mais uma amiga na escada que descia para uma espécie de porão da casa. Era lá embaixo que o som rolava, mas eu sempre fui melhor de papo que de dança (ou tenho habilidade nula de dança, o que indica que, se eu puder dar “bom dia”, meu papo já superou a habilidade de movimentação).

A conversa foi gostosa, mas nada ali surgiu. Anos depois – quatro, segundo minhas contas (e hoje eu já disse que matemática não é meu forte) –, caímos na mesma sala e o contato aumentou.

Às vezes ela me pedia para ler para ela – pura preguiça – e eu o fazia, mudando trechos de obras clássicas que fariam Machado, Alencar ou os Andrades ficarem putos, e me ria daquilo. Ela também ria ao descobrir uma falta de sentido na história e aquilo me deliciava, sempre me deliciou. Escutar aquela gargalhada ainda é uma das coisas que mais me rende alegria.

Passou o ano, o outro, alguns mais e nos encontramos lá na frente (agora já lá trás) para darmos o primeiro beijo memorável, numa agradável noite de sexta feira, num quatro de janeiro, ao som de “Painted on my heart” do The Cult. Detalhe, a música começou na rádio no exato momento em que nossos lábios decidiram se aproximar em ósculo histórico.

Hoje, eu posso não ser mais novidade para ela. Já me conhece há tanto tempo que seria estranho me considerar uma “surpresa”. No entanto, vejo que eu talvez nunca tenha sido uma novidade e nem ela a mim. Então, por que o coração palpitou mais forte diante da chance e da incerteza do beijo? Por que o sorriso me agrada como o início de um dia de verão? Por que o brilho dos olhos e o som da gargalhada bastam mais que um filme todo para me entreter por horas?

Não é questão de novidade, é questão de frescor. A hortelã é sempre fresca, não importa quantas vezes a prove! É por isso que ela é minha chuva de verão, que refresca os martírios de um dia abafado.

Quanto mais tenho, mais quero. Como companheira, amiga, plateia para minhas bobagens, ombro para lágrimas. Eu a quero aninhada nos meus braços, falando ou em silêncio. Para secar suas lágrimas (ou chorar junto) e abraçar forte. Por mais este ano que completa e por diversos que virão.

Seja com suas frescurites – como descascar mexerica com sacolinha porque o cheiro é forte – ou com sua singeleza de pedir um abraço antes do primeiro beijo – o que concedeu tempo para que a música certa iniciasse no rádio –, eu a desejo.

Hoje, tempos depois, continuo a querer, a me encantar, a me divertir, a tentar entender e ser entendido por essa garota de olhos expressivos e toque gracioso.

Mais uma primavera dela se completa (mesmo que o nascimento tenha se dado no inverno) e eu ainda me achando o menino mais sortudo da festa de luzes estranhas porque, por mais que minhas pernas não colaborassem para chamar a atenção numa possível e improvisada pista de dança, minhas poucas palavras me levaram ao encontro mais fortuito.

Depois de tantos anos, somos ainda dois adolescentes se conhecendo nos degraus de uma festa, com música ao longe e as promessas da noite por se desvelarem em nosso caminho!

 

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Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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