Eis as impressões–ou uma quinta-feira a mais

telefoneA tarde de quinta-feira parecia não ter mais nenhuma aventura a se revelar, nenhum mistério a ser solucionado, nenhum boletim extraordinário a ser desenvolvido. Algumas aprovações seguiam pendentes; certas postagens, já encaminhadas, ainda sem serem atendidas… mais uma tarde comum no mundo da comunicação corporativa.

Alguns goles d’água, um cheiro suave e constante de borracha queimada em alguma obra ao redor, uma luminosidade variável de uma tarde de outono que penetrava através das venezianas, aquilo parecia ser tudo. O dia caminhava para sua conclusão.

De repente, não mais que de repente, o som de um telefone fez despertar de maneira mais intensa aquela consciência. O aparelho foi atendido, a voz do outro lado da linha passou a informação reveladora. Ele não acreditou de primeira, relutou, mas a semente da discórdia entre realidade, controle racional e desejo já havia sido plantada.

Ao lado, um gaveteiro o espreitava. Sua presença imponente à sua lateral marcava o território como um animal que dissesse “até aqui tu vais, daqui além, não!”. Estava imposta a barreira, colocado o limite. Mas não, nada seria tão forte para afastá-lo depois da informação que recebera.

Um a um, retirou os jornais que repousavam sobre a tampa do móvel. Velhas notícias de horas antes que já quase não faziam sentido. A inflação, a queda do ministro, o vitorioso do último BBB, todas transformadas em papel para gaiola de pássaros.

As folhas noticiosas foram deixadas ao lado do laptop que se apresentava sobre a mesa, máquina aquela que tantas vezes o havia auxiliado no cumprimento dos prazos. Cada deadline completo uma vitória, cada publicação uma celebração… E agora nada mais importava, não depois do telefonema, não depois daquela informação.

Finalmente, fez abrir a tampa que o separava da verdade, da confirmação se o que dissera aquela voz era confiável ou não. Era…

Ali, repousado ao lado de alguns grampos e materiais de papelaria geral estava a pequena embalagem, em seu rótulo carregava a bandeira alemã, nenhum símbolo nazista se fazia notar, o que foi muito importante para a apreciação visual antes de mais nada.

O estalar do papelão ao se romper o picote foi quase um deleite, o desembrulhar do alumínio a preliminar de um amor intenso. E então ele se revelou. A princípio tímido, com sua superfície morena, uma estrela marcada naquilo que poderia se chamar de “pele”. Solto. Cada parte destacada de seu todo para apreciação individual, já anunciando que cada uma daquelas pequenas figuras geométricas representando quadrados seriam únicas.

A mão não se conteve, os olhos lampejaram um desejo mágico e não menos que um momento apenas foi necessário para que ele o lançasse em sua boca. Atravessou os lábios com certa facilidade, assentou-se na língua e ela o fez girar pelo céu da boca. Começou a derreter.

Como se brumas de cacau adocicado tivessem invadido seu palato, como se anjos cantando odes ao sabor estivessem à sua volta, ele saboreou cada instante, sorrindo de maneira fescenina a cada oportunidade de absorver novo quadrado com sua boca e degustá-lo, não com um, mas com todos os seus sentidos.

Em oportunidade sequente, guardou parte do que sobrou, agradeceu levemente ao informante do telefone e nunca contou que dançou algumas horas, sorrindo, sozinho pelo escritório, agarrado ao tablete de chocolate.

Nem toda quinta-feira é apenas uma quinta-feira…

 

 

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Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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