O Amor e o Tempo

tempo (1) Foi meio assim, de repente, meio sem querer. Sabe quando a gente mexe em coisas antigas, em coisas que talvez não devesse ter mexido? Pois é, mas mexi.

Não sei se deveria te contar, o mundo muda tão rápido. O que isso tem a ver?

Vou tentar explicar, ou melhor, não vou tentar não. Quem é que vai saber as conexões e ligações que minha cabeça estabeleceu para pensar na rapidez do mundo e em você?

É que você sempre teve cara de quem apreciava o passado. Não podia ver um abajur fora de moda que queria.

Você deve estar rindo, mas é verdade. Adorava blusas que ninguém mais usava, atraía-se por penteados que pareciam ter dado errado e por canções que tentavam mostrar uma força em branco e preto num vácuo de palavras.

Apesar de tudo isso, no entanto, gostava de mudanças, como se pudesse tocar o futuro quando ele passava por nós.

Eu te contestava. Era como se eu quisesse que o tempo nos jogasse para o passado, que nos colocasse em qualquer local desbotado de uma lembrança em sépia sedutora. Contestava, mas gostava de coisas novas. Das formas com aço escovado ou cromadas.

Você exaltava o passado e corria como louca para um futuro, não queria ser deixada para trás.

Eu adorava cada segundo do que tinha ido e talvez quisesse viver num antes que nunca me foi permitido. E mesmo assim encantava-me com as coisas ditas novas. Como um espectador a assistir o show de um mundo em que eu não estava tão disposto a participar.

Você queria fazer e acontecer, eu queria ler, reler e talvez escrever a respeito.

Nós éramos jovens. Uns diriam tolos, outros diriam sortudos. Não há definição exata.

A única coisa que nos definia, apesar de todas as diferenças, era o beijo. O toque dos lábios úmidos, a maneira como você gostava que eu segurasse seus cabelos, com a mão aberta, penetrando os fios mais finos de sua nuca.

O momento delicioso em que nossos olhares eram de olhos fechados. A maneira como você se entregava quando eu inclinava minha cabeça para melhor perseguir sua língua.

Num desses momentos, por um impulso bobo de uma tecnologia recém-lançada talvez. Bati uma foto sem olhar. E ela ficou boa.

Tudo isso ficou no passado. Num instante perdido entre tantas memórias, incluindo as brigas, a separação… que foi pelo quê mesmo?

E então eu mexi numa dessas coisas antigas em que não se mexe. Pluguei até na tomada para ver funcionando. E foi mexendo numa memória minúscula, mas que por alguma razão foi melhor que a nossa nesse quesito, eu vi.

Vi a nossa foto de um beijo tão intenso e bonito. De nossos rostos gigantes na minúscula tela, quase ocupando todo o espaço, mas que deixava intuir um dia ensolarado de fundo.

Uma espécie de amor simples, de amor que não sabe se o futuro vem ou não vem… Ele veio.

Foi meio assim, de repente, meio sem querer que o peito suspirou uma lembrança. Sabe quando a gente mexe em coisas antigas, em coisas que talvez não devesse ter mexido? Pois é, mas mexi.

E encontrei um amor anterior aos megapixels e telas touch. E posterior ao nitrato de prata e filmes de rolo.

Meio que preso entre dimensões temporais, entre a minha fuga do futuro e sua vontade de alcançá-lo.

Hoje, mexi num velho celular e uma nostalgia de amor em VGA perpassou meu coração.

 

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Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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