Para onde ir? Ajudem!

2013-06-20 20.53.42 “Ontem fui às ruas e vi coisas incríveis, uma energia maravilhosa e protestos pacíficos”… Temos muitos adjetivos aqui e é preciso cuidado nesse momento sobre o que sentimos, vemos e o que achamos que está acontecendo. Você não encontrará verdade nenhuma nesse texto, sou jornalista e escritor, não Deus.

Esse início de texto entre aspas poderia ser de qualquer uma das pessoas que esteve ontem (20/06/2013) nas manifestações que começaram na Av. Paulista, na cidade de São Paulo. Um enorme grupo ficou acumulado na avenida, enquanto outro desceu pela rua da Consolação, passou pela Prefeitura da cidade, tomou a Av. Nove de Julho, subiu pela Treze de Maio e ganhou o final da Paulista novamente.

Acompanhei esse grupo nômade e vi que motoristas sorriam e cantavam com a multidão enquanto passávamos, que moradores de casas e apartamentos acenavam, colocavam bandeiras nas janelas e piscavam as luzes atendendo pedidos dos manifestantes. Pode ser que todas essas pessoas apoiaram o protesto por medo, afinal, estavam presas em seus veículos e casas e não tinham como enfrentar de maneira justa aquele mar de gente. Pode ser, mas devo dizer que o clima não chegou a ficar tenso com esse grupo em nenhum momento, e que duvido que alguém tenha se sentido ameaçado.2013-06-20 21.02.48

Alguns moradores e motoristas se mantiveram apáticos e inertes e isso não foi motivo para nenhum tipo de reprimenda ou descontentamento da população que caminhava. Isso foi o que vi e ouvi, mas sou apenas uma pessoa, um cidadão e uma das diversas interpretações do que está acontecendo.

Representatividade

Uma das coisas que tem chamado a atenção durante os protestos é a insistente aversão às bandeiras partidárias que tentam surgir nos movimentos desde o seu início. Uma das faixas do protesto de ontem dizia algo como “Meu partido é meu país”.

Não é novidade para ninguém que existe um problema de representatividade que vem se agravando em nosso país há alguns anos. Basta dar uma pesquisada entre as pessoas e veremos que pouquíssimas se sentem realmente representadas por seus partidos ou pelos líderes eleitos destes. Próximas de qualquer eleição, essas evidências ficam mais claras ainda.

E, de repente, temos um movimento dito espontâneo que saiu da internet e outras redes e foi para as ruas. Um movimento de protesto que mostrou que não é liderado pelo M. Passe Livre e que não quer partidos.

2013-06-20 20.16.39 Que as pessoas digam que não querem bandeiras partidárias, eu entendo. Entretanto, seria ingenuidade demais achar que não existem partidos envolvidos. É claro que existem. Se eles não conseguem se identificar por conta da manifestação da maioria ou se preferem se manter ocultos por seus motivos, bem… essa é uma pergunta interessante.

Fato é que vivemos em um país de Democracia representativa e, se a população não se sente representada, instaura-se um problema. Ou os líderes imperam como senhores absolutos e a população fica rechaçada, ou busca-se pessoas que nos melhor representem e apresentem nossas demandas de maneira mais coerente.

Acompanhei pessoas que não queriam bandeiras, mas falavam contra o “governo”, sem identificar se falavam dos governantes da cidade, do estado ou do país.

E agora? Tudo isso é obra de alguns poucos que controlam muitos e estão promovendo micro-reformas para tomar o poder – ou nele se perpetuar –, ou simplesmente é a população do país que resolveu gritar “chega!”? Mesmo que não saiba o que gritar depois disso.

A oportunidade e a chama

Sim, é fato que muitos ali vão pela bagunça; outros acham que é festa, “melhor que micareta pela mulherada”; outros grupos aproveitam a confusão para espalhar violência ou mesmo tirarem proveito por meio de saques ou atos piores.

Não nego, mas quem pode negar que existem aproveitadores em qualquer circunstância da vida?

Pode ser que tudo isso seja uma teoria da conspiração que a maioria ainda não sacou. Pode ser que não vá dar em nada. Pode ser que o movimento esfrie quando existirem mais pessoas interessadas na bagunça que nos protestos. Pode ser que uma hora enjoemos dos dizeres tão criativos dos cartazes. Minha preocupação, contudo, é a seguinte: e se os movimentos forem realmente de um povo sufocado por tanto tempo?

E se essa é a hora em que decidimos olhar para os lados, no mundo digital ou dito real, e vimos que não éramos os únicos sofredores, trabalhadores sufocados, mas que existem muitos nas mesmas condições, independentemente de suas classes sociais ou idade?

O que me preocupa, de verdade, é a possibilidade dessa chama se apagar porque as pessoas não sabem para onde correr ou como caminhar depois disso. Depois de identificados os problemas, é preciso trabalhar neles. Não é novidade que essa deveria ser a tarefa de nossos líderes políticos, mas eles apenas substituem cargos e perpetuam uma situação cômoda a alguns e incômoda demais a outros.

Demandas e objetivos

Quais são as demandas das manifestações, afinal? Eu tenho ouvido essa pergunta por repetidas vezes e fico me perguntando também.2013-06-20 20.26.14

Digamos que o começo foi por conta do aumento da passagem do transporte público em diversas cidades brasileiras. Eu aceito isso, bem como aceito que a voz engasgada dos “vinte centavos” trouxe consigo a voz rouca de tanto pedir Educação; a voz embargada que pede emprego; a que pede qualidade nesse mesmo transporte; a voz quase sem voz que clama por Saúde.

No meio das manifestações, fala-se da Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, que limitaria a maior parte do poder de investigação do Ministério Público. Não podemos dizer que essa instância soluciona os problemas ou que funciona perfeitamente, mas quando as instituições agem por conta e sem vigilância ou sem temer nenhuma instituição à parte, temos uma perigosa mistura.

As propostas contra a corrupção podem parecer etéreas demais, sem consistência, mas também ali estão.

Pode ser que não existam demandas pontuais como os vinte centavos do transporte. Mas com certeza elas são enormes.

Desespero

Mais de um dos jovens manifestantes que encontrei esses dias usou uma expressão que me deixou curioso. Quando questionados do motivo principal que os trouxe às ruas, eles responderam “desespero”.

Eles contaram que não aguentavam mais não se moverem pela cidade, pagar caro por tudo e não ver o resultado disso em nenhum lugar. Disseram que tinham de pagar muito e mesmo assim enfrentar filas nos sistemas de Saúde se não quisessem ficar por muito tempo nos hospitais públicos e esse muito tempo é enorme mesmo. Já pude conferir e sofrer ali por muitas vezes.

Quando ouvi a expressão desespero, vi que não é apenas uma fanfarra que percorre as ruas, mas sim um sentimento generalizado, por todo o país, de 2013-06-20 21.28.00que já chega! Não queremos deixar de pagar todos os tributos, mas sim que eles resultem em algo.

Queremos planejamento urbano e investimento em transporte coletivo; fim e punição sistemática da corrupção; Saúde com médicos e hospitais preparados; Escolas que se preocupem com seus alunos e alunos e pais que se preocupem com suas escolas, pois os dois lados são importantes; queremos, sim, que a PEC 37 seja anulada/revogada.

Não me parece que os manifestos estejam sem demandas e, mesmo que não se tenha uma liderança centralizada com quem conversar, tais reivindicações continuam válidas e na pauta, mais que nunca atual.

Reclamamos por tempo demais de um povo passivo e despolitizado e é óbvio que a maioria de nós não conheceu nossa história ou aprendeu a pensar criticamente do dia para a noite. E não subestimo ninguém, pois me incluo nesse time. A grande maioria não sabe o que se passa ou o que deve fazer para alterar o quadro, mas decidiu sair da cadeira e gritar que não aguenta mais.

Uma vez conheci um rapaz que não sabia escrever nada que não fosse a palavra “não”, e ele protestava apenas com isso, com seu “não” ao que o incomodava.

Depois de anos de uma educação horrível é claro que não sabemos grande coisa, mas já que a população do país resolveu gritar “basta, olhem para nós”, devemos aproveitar essa oportunidade. E temos de estruturar essas demandas e pensar em propostas e soluções, sim, também é parte de nossa função. É uma oportunidade.

Kairós

E não falo oportunidade num sentido corporativo do termo, como se tivéssemos de lucrar e incrementar nossas carreiras com isso, mas de uma outra forma.

O fato dos partidos políticos estarem sendo rechaçados (ou rachaçando) nas manifestações, não significa que não precisamos de partido, mas talvez seja uma janela aberta, um momento oportuno para o surgimento de uma instituição que represente tantas novas vozes.

O que quero dizer é que partidos como o PT, por exemplo, surgiram em momentos muito específicos de nossa história e atendendo a uma demanda clara de uma classe que se elevava.

Não quero fazer propagandas aqui, este é apenas um exemplo, não digo se bom ou ruim. O que digo é que talvez esse movimento dito descentralizado seja a oportunidade do surgimento de algo novo e que refresque visões e disputas políticas, que hoje parecem visar o poder e não o bem e as transformações que podem ser realizadas a partir do local do poder.

Os gregos tinham uma palavra para o tempo cronológico (Chronos) e uma outra para aquele tempo que não podia ser medido, mas que era uma espécie de janela de oportunidade, essa segunda palavra era Kairós. Nós não sabemos quanto tempo dura esse momento oportuno, mas ele comporta em si uma qualidade que dura um tempo finito e que deve ser aproveitado.

Acredito que essa janela está em nossa frente e devemos ou não agarrá-la. Eu sugiro que agarremos.

Não digo que fazemos tudo corretamente, pelo contrário, muitos erros são cometidos. Em especial porque nos falta experiência. Porque aprendemos lentamente enquanto caminhamos.

E aqui fica um pedido. Um pedido aos amigos mais velhos, aos professores, aos líderes de nossas vidas particulares, aos familiares engajados de outra época: que nos ajudem a organizar essa movimentação toda para que não a coloquemos rumo a um charco esquecido das mudanças não concretizadas desse país.

Se grito nas ruas, se acompanho passeatas ou procuro saber mais do que se passa, mesmo com a sensação de que algo grande se esquece ou se esconde, é simplesmente porque ainda acredito nesse país e nesse povo, mesmo com tantas decepções. Caso contrário, mais fácil seria fugir ou colocar uma bala em minha própria cabeça.

Não sou um romântico tolo de um conto de fadas achando que “viveremos felizes para sempre” ou que as coisas se resolverão da noite para o dia, mas que de alguma forma as mudanças se iniciam. E eu acredito que esse Kairós pode ser agora.

Precisamos de ajuda.

Misturas

2013-06-20 19.47.47 Por um lado é triste ver a bagunça e farra de alguns diante do engajamento real e legítimo de outros. Contudo, tirando os atos de violência que rechaço veementemente, acredito que aqueles que ali estão e parecem participar de uma festa e não de protestos, podem ser convencidos ou aprender algo, mas precisam de uma explicação, um empurrão, uma direção para onde olhar.

Não é novidade que nossa geração já passa por uma crise de sentido forte, talvez seja o momento de colocar trilhos à nossa frente.

Aquelas pessoas com quem conversei estavam certos, isso tudo é um grito de desespero, uma forma de ter a voz ouvida, mesmo que seja quase como um grunhido sem articulação, pois não sabemos exatamente o que dizer.

Momento

Enquanto finalizo este texto, escutei o pronunciamento da presidente da república, Dilma, que passou há pouco na televisão, e vi que as vozes chegaram alto das ruas aos ouvidos das pessoas que devem.

Ela propôs algumas ideias bem interessantes, como o repasse de 100% dos recursos conseguidos com a exploração do petróleo para a Educação (desde que ninguém desvie a verba…) devo dizer que, se essas promessas saírem do papel para a realidade, algo grande já aconteceu.

Um grito que veio do asfalto batido por milhões de brasileiros ao redor do país ecoou. Espero que continue ecoando, seja com cartazes, tintas, gritos de guerra ou nossos pés trilhando sulcos nas ruas que até então eram dominadas apenas por máquinas.

Ontem cantamos juntos o hino nacional enquanto caminhávamos e não tinha nada de fascista nisso. Em especial porque ninguém diz que os jogadores de futebol são fascistas quando o cantam antes das partidas.

Nós só queremos que o país se torne a “Pátria mãe gentil” prometida e seja vivida como essa “terra adorada”.

Boa noite!

 

Imagens: arquivo pessoal

Publicado por

RDS

Jornalista, escritor, metido a poeta e comediante. Adorador de filmes e livros, quem sabe um filósofo desocupado. Romântico incorrigível. Um menino que começou a ter barba. Filho de italianos, mas brasileiro. Emotivo, sarcástico e crítico, mas só às vezes.

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