E o verde da natureza infinda inspira atitudes aos bons homens
Mariana já estava com cerca de 66 anos, mas a energia que demonstrava colocá-la-ia entre os seres mais jovens! Toda cheia de preparativos, listas e convites, a senhora-jovem estava aflita como uma adolescente para sua festa de 15 anos. Nesse caso a festa de 40 anos, mas de casados.
Em uma semana Mariana e Adilson celebrariam bodas de esmeralda, a cor da natureza, dos fortes vínculos. O verde da sabedoria profunda daquela que prolonga a vida. Como folhas que se alimentam do sol, Mariana e Adilson alimentavam um amor por 40 anos e dele já existiam ramificações belas e estáveis, como seus filhos. A essa altura da vida nada seria mais certo que celebrar o que de melhor viveram.
No tão aguardado dia, depois da cerimônia de reafirmação de votos, enquanto se preparava para entrar no salão da festa, Mariana percebeu um vulto que a seguia em meio ao jardim, na escuridão. Virou-se e perdeu o ar por alguns instantes, era Lívia!
A princípio Mariana acreditou que fosse ser atacada, mas a expressão branda e lacrimosa nos olhos de Lívia fizeram-na entender que a amiga viera em paz.
– Eu sei que não recebi o convite formal para suas bodas, mas gostaria de dizer que estou muito feliz por você… Acho que já se vão os tempos das desculpas, mas eu também sinto muito, por tudo. – seu rosto estampava uma sinceridade que fizeram Mariana lembrar da antiga amiga de escola e isso lhe emocionou – Também queria te agradecer…
– Eu é que devo te agradecer, Lívia. Não me leve a mal, mas obrigado por me livrar daquele monstro, afinal!
– É por isso que vim te agradecer, Mari. Aquela sua carta, anos atrás… – Lívia agora sorria ao mesmo tempo em que lágrimas desciam pela sua face, pousando no canto de sua boca – Eu me separei dele oficialmente dois anos depois, mas suas palavras me deram forças para arrebentar aquele muro. Eu nem acredito o quanto ele me fez mal e destruiu minha família, mas já se vão uns bons anos de liberdade. É difícil recomeçar, mas eu queria te agradecer.
Estavam as duas ali. Uma reconstruída depois de uma decepção que lhe parecia irreparável na juventude, a outra aliviada porque, apesar de tudo o que perdeu, conseguira resgatar sua alma de um pacto com um ser diabólico onde as cláusulas nunca foram claras.
As duas se abraçaram e Mariana convidou Lívia para fazer parte de sua festa.
– Mesmo depois de tantos anos, Mari?
– Você fez parte da minha infância e adolescência, ajudou a formar meu caráter e, apesar do tempo de todos os erros, faz parte da minha história, não há como negar!
Ambas adentraram o salão e foram recebidas por Aline, que trazia taças com champanhe. As senhoras se sentiram como meninas naquela noite. E que fim levara Vinícius? Pelo que Lívia contou, depois de tentar destruir sua vida com processos e acusações (a única coisa que aquele imbecil parecia saber fazer, nas palavras dela) ele deixou o filho para trás e sumiu. Ela soube pouco tempo depois que ele estava morando com um rapaz e que parecia estar num relacionamento sério.
Aline e Mariana ficaram pasmas, então…?
– Sim, ele era gay! Na verdade tivemos nosso filho, mas nada mais, era um relacionamento de pura aparência.
– E seu filho, o que achou de tudo isso?
– Essa foi uma fase difícil para mim. Anos depois meu filho também se declarou homossexual. Hoje parece algo normal, mas me senti péssima na época, como se tivesse errado em algo. – ao que Aline completou.
– Não disse que o moleque era esquisito!?
As três caíram na gargalhada e deixaram as dores do passado de lado, pelo menos por uma noite.
Na saída da festa, Lívia, já sem seus sapatos de salto alto, parou um momento para observar um homem. As coisas poderiam ter sido tão diferentes. Sentiu-se um pouco sozinha, mas com uma paz interna. Um pouco triste, é verdade, como aquela calmaria que chega ao final de uma guerra, mas uma paz ainda assim. Os sabores das brisas quentes de verão pareciam não mais encher-lhe o peito, deu-se conta de sua idade, mas nem por isso deixaria de sonhar. Fechou os olhos ainda fitando o senhor já de idade que ali se apresentava, Adilson, e o reviu jovem, robusto, com uma camisa de flanela xadrez, em meio a uma festa junina.
Era um momento distante no tempo, mas sentiu os lábios se aquecerem ao som longínquo de músicas sertanejas há muito esquecidas pelo rádio.
Lívia pediu um copo de vinho e foi para casa. Amanhã seria outro dia, mas estava perdoada por sua amiga e, mais importante, por si mesma!
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