Basta dizer que é um ser humano – para bem e para mal
Mariana abriu a porta da sala de sua casa enquanto sorria, não era todo dia que conseguia voltar mais cedo do trabalho. Naquela sexta-feira em especial nem trânsito pegara. Os deuses pareciam estar conspirando para que seu final de semana começasse bem. Ou não!
– Olá, meu amor, cheguei mais cedo, não é maravilho… – a frase da jovem garota morrera na ponta dos lábios e logo lhe sobreveio um engolfo na garganta com o que vira. Mariana trabalhava fora e morava com o namorado, Vinícius, há quase um ano. O rapaz trabalhava de casa, pelo telefone e pela internet, e tinha ido morar na casa da jovem depois de dois meses de relacionamento.
Vinícius e Mariana pareciam ser feitos um para o outro, ela era uma engenheira em início promissor de carreira e ele, apesar de pular de emprego em emprego, vinha de uma família abastada. Desde o início do relacionamento até aquele momento ainda não tinham discutido, tudo corria as mil maravilhas. Ele tinha um jeitão despojado e aventureiro que cativaria qualquer coração adolescente à toa, apesar de sua maior aventura até o momento ter sido um acidente de moto com um amigo, dois anos antes, e o fato de decidir morar com Mariana.
Na verdade Vinícius era um cara que evitava perigos, mas combinava com Mariana, pelo menos até aquele momento. Ali, deitados no tapete felpudo da sala, estavam Vinícius e Lívia – até então a melhor amiga de Mariana – nus, fazendo sexo.
A cena que se seguiu foi confusa. Os dois pelados se levantaram rapidamente tentando colocar as roupas o mais rápido possível enquanto falavam palavras que soavam desconexas para Mariana, mas que pareciam ter um tom de explicação. Ela só queria que os dois sumissem.
Naquela mesma noite Vinícius partiu com todas as suas coisas. Algumas atiradas "delicadamente" pela janela do sobrado. Lívia quis falar com sua amiga, mas não teve chances. Mariana não sabia se se sentia mais traída pelo namorado ou pela amiga. Os sentimentos de desespero, raiva, aflição e desejo de vingança se confundiam dentro dela.
Vinícius e ela já estavam planejando uma vida inteira juntos. Tinham aberto até mesmo uma conta conjunta no banco, na qual depositariam suas economias para "um futuro maravilhoso juntos". Bem verdade era que a poupança já contava com algum dinheiro, mas, justiça seja feita, do que ali jazia, a única contribuição de Vinícius fora a papelada para a abertura da conta.
A respeito de Lívia o conflito parecia maior. Conhecera a menina na escola e era amiga não apenas dela, como também de suas outras duas irmãs, de seu pai e de sua mãe. Fosse pelo tom interiorano que a família de Lívia cultivava, fosse pelo fato de até os pais de Mariana conhecerem a menina, ou mesmo pelos longos anos juntas, Mariana sentia como se tivesse ela perdido uma irmã.
Desde adolescentes as duas trocavam cartas no aniversário uma da outra, conversavam de tudo, viajavam juntas e tudo o mais. Tudo aquilo foi um grande e intenso pesadelo.
Por meses a garota ficou arrasada. Recebeu consolo da família e de Aline, uma amiga em comum com Lívia, bem como de alguns poucos amigos que cultivava da época de colégio. Apesar de Aline ser também amiga de Lívia, Mariana pediu para que ela não lhe falasse a respeito da traidora e do canalha.
Quando se sentiu um pouco melhor, Mariana foi até o banco e encerrou a conta conjunta com Vinícius, retirando todo o dinheiro – não sem notar que os valores pareciam um pouco menores.
Organizando suas gavetas num dia, a jovem encontrara as cartas que a amiga Lívia costumava lhe escrever em seu aniversário. Releu algumas, chorou muito e teve ímpetos de incendiar todo o material, mas se conteve. Refletindo, concluiu que não valia a pena destruir as coisas boas de seu passado por conta de erros alheios do presente.
Mais algumas semanas e a garota já conseguia sair para alguns programas sociais, ir às compras e até mesmo viajar com alguns colegas do trabalho. Algo, entretanto, a incomodava nos últimos tempos. Vinícius passara a ligar insistentemente para ela. Mariana simplesmente não atendia. Ele enviou alguns e-mails apenas dizendo que precisava falar com ela e que era sério, mas ela também ignorou.
Mais um mês se passou e ela recebeu outra ligação, dessa vez de Lívia. Com raiva, mas imaginando que a amiga quisesse se desculpar, Mariana atendeu. Estava decidida a não voltar ao seu antigo relacionamento com Lívia, mas pelo menos poderia ter alguma explicação do que acontecera.
Lívia estava com a voz estranha, começou perguntando sobre como ela estava e tudo o mais, pediu desculpas, mas de uma forma não muito convincente e disse que ela ainda estava com Vinícius. Mariana ferveu de ira nesse momento, mas mordeu os lábios e considerou que, já que sofrera tal disparate, que pelo menos os dois ficassem juntos. Se é para ser um mártir, que pelo menos o seja de um caso de amor verdadeiro.
– Espero que vocês sejam felizes juntos – respondeu Mariana num tom seco.
– Ah, por falar em juntos, o Vinícius me pediu pra te dizer uma coisa.
Mariana não pôde acreditar no que ouvia, as palavras soavam entre o cômico e o ridículo em seus ouvidos. O recado de Vinícius, e o motivo pelo qual ele vinha tentando falar com ela, era a respeito da conta conjunta. Ele notara que ela fora encerrada e que ele não havia recebido nenhum valor e, como Mariana não respondera a nenhuma tentativa de comunicação, o rapaz iria processá-la para reaver o dinheiro e uma pequena indenização.
Mariana riu irritada e desligou o telefone. Achou aquilo tudo absurdo demais, mas teve de contratar um advogado para resolver o caso, uma vez que semanas depois recebera uma notificação a respeito da acusação. Conseguiu resolver a situação, mas teve de pagar alguns valores, para Vinícius e o advogado. Apesar de todos os depósitos feitos na conta terem sido por parte de Mariana, aquilo funcionava como um casamento, e o valor teve de ser restituído, não metade, mas um terço, mais um pouco de indenização pelo encerramento em desacordo e etc. A garota queria distância daqueles monstros.
Publicado por