Toda criança quer ser grande, ou queria até algum tempo atrás. Freud já tinha observado – e não só ele, mas qualquer pessoa que se dispusesse a olhar um pequenino por meia hora – que toda a brincadeira da criança é uma espécie de preparação para o crescimento. Em palavras mais objetivas: toda criança brinca de ser adulto e fazer coisas de adulto.
O problema é que um dia a brincadeira acaba. E acaba do modo mais chato que pode acabar quando fingimos algo: a coisa se realiza – e crescemos.
Crescer é um saco, mas essa afirmação parece ter ganhado força especial nas últimas décadas. O tema não é novo, e também não é difícil achar exemplos na literatura, biografias ou grandes frases que mostrem que, no fundo, nem todo mundo queria abandonar o mundo infantil. Entretanto, sinto um crescimento no repelir dessa "maldição inevitável do tempo", nos últimos anos.
Não sei se era por vivermos numa sociedade um tanto mais rígida, há tempos, na qual a criança não tinha muita voz ativa na casa e nas "coisas de adultos", mas havia uma pressa encantada em crescer. Alcançar seus 18 anos ou mais era uma espécie de habeas corpus, de entrada num novo patamar de existência e posição.
Claro que este não é um número taxativo, ou seja, não bastava fazer 18 anos para ser emancipado, mas a pessoa passava a ser levada mais a sério depois de um tempo. Logo, aquela criança que brincava de adulto e que era submetida às decisões dos pais e parentes – e não opinava em praticamente nada – entra num novo mundo, o das responsabilidades e deveres, porém com mais direitos também.
Quando se via a carga pesada que se assumia, não rara era a vontade de voltar a ser criança e, nesse caso, a uma espécie de ignorância "livre". Livre entre aspas porque havia a submissão à vontade adulta. Entretanto, os adultos não queriam perder esse patamar de nova liberdade que vinha com os deveres. Entrar em alguns filmes dantes proibidos, conversar e ser respeitado por seus pais e avós compensavam a "perda do paraíso".
Crescer era um saco, mas ser criança também não era o melhor. Toda fase carrega seus prós e contras.
Quando se atingia determinada idade vinha a grande frase que seus pais tanto esperaram para dizer: "vai trabalhar, vagabundo!".
Ao dizer isso, eles faziam um corte. Era como se dissessem, "te sustentamos até aqui e você teve tudo praticamente de graça. Moradia, comida, talvez estudo… você não precisou efetivamente batalhar por tudo isso, mas agora, já que opina e tem direitos de decisão de um suposto homem livre, terá de lutar pelo próprio sustento, ou pelo menos por um complemento dele".
Esse é basicamente o estágio final da castração, onde tudo aquilo que foi sendo dito e feito e treinado é posto em prática. Mais que a perda do paraíso, essa é a expulsão do paraíso!
O relato bíblico já traz o mito do trabalho implícito no Gênesis. Deus criou o céu e a terra, os animais, as plantas, os mares, etc. Fez tudo e deu ao homem. Já no primeiro capítulo deste livro, lá pelo versículo 29, depois de ter mandado dominar sobre tudo – animais e plantas –, o Senhor manda, reforçando: Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para vocês (e aqui os vegetarianos se esbaldam).
Importante lembrar que Deus coloca o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivar, mas a coisa toda funcionava meio que sozinha. Deus tinha deixado um serviço sossegado, ou seja, era uma brincadeira de criança, mais uma preparação do que um trabalho efetivo.
Aí o homem se acha malandrão. Ta lá todo pimpão com seu jardim, dando nome pra tudo que é animal, enchendo a cara de fruta-do-conde e brincando de guerra de caroço com a Eva e acha que pode opinar onde não deve. Deus, que já está no período de descanso, depois do sétimo dia (que, se pensarmos em décadas, dá uma reforçada na aposentaria), quer ver se Adão é esperto mesmo e diz: já que você é o bam-bam-bam, vai lá carpir, arrancar erva daninha do chão e comer às suas próprias custas.
Quando Adão tenta opinar onde não devia (e pede uma roupa nova), é expulso do paraíso. É a forma de Deus dizer: "vai trabalhar, vagabundo". E as coisas nunca mais seriam como antes.
Detalhe interessante é que, mesmo sob o mandamento divino de serem férteis e se multiplicarem, Adão e Eva só foram ter relações – e consequentemente os filhos – depois de serem expulsos do Éden, o que reforça o fato de que eram apenas crianças até o momento em que foram chutados porta afora.
Inteligentemente, é justamente essa perda, essa falta instaurada na expulsão, que permite ao homem criar o seu próprio jardim. "Lembre-se de mim, de que é feito à minha imagem e semelhança, ou seja, honre minha memória, mas saiba que precisa se afastar para que possa construir seu próprio mundo e fazer uso do livre-arbítrio que te dei". Essa seria a frase completa de Deus.
Dar-nos o paraíso e o prazer para depois tirar, instaurar o desejo (pela falta) e permitir a nós que vivamos por nós mesmos, essa foi a estratégia. O fruto proibido (estranhamente simbolizado como "do conhecimento do bem e do mal") foi a desculpa, a gota d’água, a deixa aproveitada pelo Senhor para nos tirar da letargia do prazer e nos fazer construir, criar, mas instaurando o desejo primeiro: o impulso!
De Freud a Deus (ou ao contrário, se quisermos seguir uma regra cronológica), passando pelo pai que exige que o filho "vire homem", repetimos a mesma saga, aguardando o sétimo dia, de quando poderemos expulsar nossa própria criatura e desfrutar, nós mesmos, do paraíso que criamos para os outros, fechando o ciclo de Lacan: o desejo é o desejo do outro.
Meu pai cria tudo e alguma expectativa antecede meu nascimento. Vivo num mundo criado por outro e que instaura um prazer, que será falta futura e que me trará o desejo, mas que não é meu. Desejo aquilo que o Outro deseja.
E aí voltamos ao início do texto e à comparação com as gerações mais jovens.
Crescer não era "tão saco" antes porque era a oportunidade de deixar de ser submetido a vontades alheias e ter a chance de criar seu próprio jardim, com esforço, mas com certa recompensa.
Hoje, com filhos que mandam nos pais e com uma ditadura de bem-estar onde "desejar é direito de ter", crescer é muito saco e insuportável. Para que assumir responsabilidades e deveres se posso opinar e mandar e ter o que grito e peço sem o ônus?
Quando alguém dizia que a época de criança e mesmo a adolescência eram fases maravilhosas e que não voltavam, implicava ali uma nostalgia de brincadeiras, de relacionamentos e descobertas, de uma ignorância livre, mas não porque hoje a vida é terrível, mas sim porque antes também foi boa…
Quando um "recém adulto" reclama da vida hoje, está implícito o desejo de voltar ao paraíso, onde mandava e desmandava e recebia tudo o que queria, mesmo sem tirar ervas daninhas ou carpir a terra. O "crescer é um saco" pode ser substituído pelo "ser mimado é um saco", porque não se aprende a viver por si mesmo e, acredite, existe prazer nisso.
Porque crescer, às vezes, pode até ser um saco, mas é muito pior quando se acha que se é dono de mundo que você não criou!
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