Justificativa desnecessária: Sempre acreditei que poemas eram sentimentos e sensações intraduzíveis, mas que insistiam em se transformar em palavras para tentar expressar a alma dos poetas, sejam eles quem forem. Por consequência, sempre achei que tais textos não deveriam ser públicos, pois são pequenas obras predestinadas aos segredos dos amantes ou às dores dos solitários. Entretanto, como uma tempestade repentina, um zéfiro que nos acaricia ou uma onda que invade cidades, os sentimentos são como força da natureza, “imparáveis”. E, assim, transbordam pelas gavetas do coração, mesmo daqueles que querem calar!
Num dia fui dormir
Como muito já se fez, como muito já fiz,
Como por vezes não quis
E outras, pelo ansiar, sofri
Despertei diferente, mais velho
O que acontece toda noite,
Para ser sincero,
Esse tempo que atropela, o eterno açoite
Ontem tinha vinte e quatro
Acordo hoje com vinte e cinco
O espelho arrisca pintar-me um quadro
Que todos os dias se altera, não importa seu afinco
E o abrir de olhos me trouxe reflexão
Não é só o balanço comum que se faz da vida
É a tentativa de escapar à prisão
De vivenciar uma saudade sem ter havido uma ida
Pensei em mim mesmo como obra decaída
Vencido pelos erros, confinado, sem espaço
Mas, afinal, onde é o ponto de partida?
Qual consideramos o final traço?
E luz nova se fez em minha retina
Brilho intenso a refulgir novamente
Porque já não era um escopo da ruína
Era árvore ainda a brotar, era semente
Não podemos dar por acabado
Aquilo que apenas começou
É a pressa cotidiana que nos traz tal enfado
O desespero de “querer ter sido”, sendo que ainda “nem sou”
E no dia tal citado
Felicitações e abraços recebo
Eles fazem um eco surdo e calado
Que tocam profundo no meu desejo
Pois quero abraçar o mundo no Presente
Ser ator, escritor, professor, músico e viajante
Mas, como realizar tudo sem estar ausente,
Sem deixar de ser irmão, filho, amigo e amante?
Entretanto, viver muito não é desejado
De que adianta tantos momentos
Se não forem belos e dignos de serem lembrados?
Nada está tão perdido quanto achamos
Nem tão longe que não se faça vista
Morreremos, sim, mas a cada dia nos renovamos
Como o papel diário de um eterno artista
O que me define, afinal? Questiono
São meus desejos, minhas faltas, lembranças?
Não sou eu apenas parte ainda, capítulo inacabado, pequeno tomo
Definido pelas lutas, esforços passados, por minhas alianças?
Temos, então, quadro aberto posto
Um homem-criança que tudo “quer querer”
Alguém que deseja que a vida deixe marcas em seu rosto
Mas que não abandone a vontade de um dia morrer
Pois é o “saber do fim” que dignifica o homem então
Ser eterno só faz sentido para os fracos
Que quanto mais longevos, mais distantes do bem estão
Uma vez que fogem de seus erros, não inspiram e se tornam opacos
Assim,
Que saibamos a hora de parar,
Que em algum ponto possamos abandonar nossas diretrizes
Que nos entreguemos ao profundo do mar
E vivamos, enfim, apenas o tempo suficiente para sermos felizes
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