Estou sentado na mesa trabalhando, ao meu lado direito uma janela enorme com vista para a rua. Um carro estaciona e começa a rodar uma gravação irritante de vendas de abacaxis que vieram não sei de onde, porque o alto-falante estourado não permite saber. Não sou fã de abacaxis, especialmente porque são ácidos e me dão aftas na boca.
Esqueço do assunto e continuo trabalhando, mas a gravação é bem irritante, como o barulho do motor de uma geladeira velha de noite, você só percebe o quanto estava te incomodando quando para. A gravação continua.
Minutos depois, não sei de onde, mas com certeza de uma das janelas dos prédios ao redor, alguém grita “Enfia o abacaxi no C#!!!”.
Nem tanto pela ofensa, mas pelo fato de ter me lembrado o quanto o barulho estava me incomodando – e provavelmente a muitas pessoas ao redor que também permaneciam sem se manifestar – disparei a rir e coloquei a cabeça na janela para ver quem fizera o comentário.
Minha risada não é muito discreta, admito. O cara do abacaxi olha para o alto e, com certeza pensa que sou o autor da ofensa, pois não vejo mais ninguém na situação.
O rapaz não ataca um abacaxi em mim porque estou vários andares acima da rua, mas provavelmente me lançou uma maldição. Tinha um olhar cigano, apesar de eu não ter nada contra nenhum povo.
Não que eu esteja afirmando nada, mas, a seguir, passando a língua pela boca, encontro uma afta que há pouco não estava ali.
Por precaução fecho a janela e ligo o ar-condicionado, que me ataca a rinite – antes espirrar por minha culpa que ficar sem minha maior ferramenta de prazer (a mastigação livre de dores) por ação alheia.
Prefiro melancias.
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