Texto escrito em 19/10/2007, para uma das aulas de criação de texto, com Lucas Pires, mas relembrado por uma aula da pós em Semiótica Psicanalítica. Ainda é atual… Divirtam-se.
“You give a little love and it all comes back to you (Da da da ra da da da). You gonna be remembered for the things that you say and do…” Não resisti, voltei pra sala de estar com um copo de coca-cola na mão, cheio de gelo. Pessoas cantando felizes em um comercial sempre me animam, menos em propagandas de pasta de dente, eu nunca tive um jetski mesmo!
Essa propaganda da coca-cola não chegou a ser muito famosa, mas fez certo sucesso. Aproveitando essa onda de jogos de videogame que imitam a vida, onde pode-se fazer quase tudo, fizeram o comercial todo imitando os gráficos dos jogos. O personagem principal parece ser um daqueles delinquentes, mas ao tomar o refrigerante em questão, começa a ajudar as pessoas e a cidade toda começa a cantar e ficar mais bonita.
Estava assistindo a alguns filmes no final de semana e, numa pausa em que voltei para a televisão, assisti ao comercial mencionado. Meio que sem querer lembrei de um filme, nem muito velho, nem muito recente. Algo sem muitos bruxos, zumbis ou capitães de navios piratas. Menos sensacionalista e talvez um tanto mais dramático, mas elevando o drama àquela categoria de reflexão bem-humorada. Não chega, nem de longe, a ser uma comédia. Você ri da desgraça pelo seu óbvio, porque você sabe que acontece e que a vida, às vezes, é uma merda!
Fiquemos irritados, então, já que assisti a uma propaganda linda e cheguei à conclusão de que as coisas podem não ser tão legais. Um tanto contraditório, mas explico. O filme ao qual me refiro é “The Weather man”, traduzido aqui para o Brasil como “O Sol de Cada Manhã”. O filme, de 2005, tem como protagonista o ator Nicolas Cage, cara que é sobrinho de um famoso diretor (Coppola) e usa um nome artístico tirado dum personagem de gibi – o herói de aluguel Luke Cage, da Marvel.
No filme, temos diversas situações: engraçadas e trágicas. É um cara de meia-idade, homem do tempo num telejornal, que está com a vida familiar desmoronando. Separado da mulher, tenta agradar o casal de filhos, odeia o novo namorado da esposa, seu pai está prestes a morrer e as pessoas jogam comida e bebida nele na rua – pois apesar de ser conhecido, todos o acham idiota e um inútil.
Entretanto, apesar do quadro um tanto… desfavorável, ele ainda alimenta a esperança de que as coisas se consertem. O problema é o fator que ele espera que melhore as coisas: um novo emprego. Após receber uma nova proposta, ele quer que as coisas se ajeitem ao redor disso. O resultado é que não consegue mesmo.
Por algum tempo depois que vi o filme, matutei buscando seus sentidos. Percebi diversas coisas: o sonho alterado na modernidade ao bel prazer capitalista, que joga todas as esperanças num aumento de renda, mesmo que se mostre, desde o início, que este não era o problema; a destruição familiar por rumos modernos que forçam destinos diferentes para homens e mulheres e etc.
Todos estes sentidos fazem pensar, lembrar da música da propaganda, mas pelo motivo mais óbvio, pois com seus takes distantes, com a cara sempre de palerma de Cage, com o clima frio (não só pelo tempo em si, mas também pelos filtros um tanto cinzas e azulados) mesmo numa metrópole fervilhante, com os símbolos imagéticos da distância entre o protagonista e seus familiares, aliados a todos aqueles sentidos já ditos, só se constata uma coisa: o filme trata da trajetória de um homem.
Quando ele passa a praticar arco e flecha é a parte mais simbólica. Toda cena em que ele aparece disparando ele sempre acerta no centro do alvo. Isso é mais significativo do que parece e menos, ao mesmo tempo. Ao contrário do que se pode imaginar, toda vez em que faz o óbvio e alcança o objetivo do treino – acertar o centro do alvo – ele não está querendo dizer que suas atitudes estão mudando para melhor. Pelo contrário, está dizendo que não importa o que faça, como faça ou de onde faça, ele está sempre batendo na mesma tecla, atirando no mesmo alvo e acertando no mesmo lugar.
A partir disso, sua vida se inverte: seu pai morre, sua família fica com o novo namorado da esposa e ele se muda de cidade devido ao emprego e mais: fica feliz!
É o sonho do homem moderno trocando a posteridade, a sabedoria pela efemeridade. O desespero de ser esquecido é trocado pela ânsia em ter cada vez mais, mesmo que não se use. A satisfação é menos que pessoal é para se ver, para parecer ter aquilo que se mostra. Se antes a ideia de uma boa pessoa era “ser”, depois passou à ideia de se “ter”, hoje em dia o mais importante é parecer “ter ou ser”, ocorreu um esvaziamento do sujeito. O protagonista conquista aquilo que foi, desde o início, na tela luminosa apresentando a previsão do tempo: uma imagem.
Ele plantou pouco esforço e colheu imagem, um reconhecimento adequado por aquilo que fazia.
Um filme que não vai te dar esperança, mas te ajuda a encarar besteiras óbvias que fazemos em nossa trajetória de vida. Sim, sou daqueles que acreditam que filmes hollywoodianos ainda podem trazer algum tipo de conteúdo (mesmo os com bruxos, zumbis e capitães piratas).
Se encarado com a frieza que se apresenta, ainda pode ser visto para dar algumas risadas. E, assim, retornamos à música. Se você plantou uma imagem é isso que colhe, se dá um pouco de amor, é isso que retorna pra você.
Faltou descobrir apenas de onde vem esse clima do filme, se de alguma escolha de Nicolas Cage ou de Gore Verbinski, o diretor. Os dois estão tratando de temas muito semelhantes. Claro que nesse filme sim, pois trabalham juntos, mas me refiro no geral.
Achei estranho ver o nome de Verbinski como diretor dessa produção, lembrei logo de Piratas do Caribe, da trilogia em si. Espantei-me de início, mas depois entendi: todos falam a respeito da trajetória. Mais que isso, não apenas a trajetória em si, mas suas dúvidas, como se operam mudanças no sujeito a ponto de abandonar o que foi no passado em busca de algo no futuro que pode nem existir e, na maioria das vezes, não encontram o que buscam.
Por mais que se tenha a aventura, as desventuras, os navios, os pombinhos do filme e as figuras cômicas, acabamos por desembocar sempre no capitão Jack Sparrow (Johnny Deep). No fim das contas, a crise de sua busca, de sua expulsão do cargo de “capitão” do Pérola Negra, sua dúvida quanto a seu rumo e, posteriormente, sua incessante vontade de imortalidade, dá sempre no mesmo tema. Os três filmes dos Piratas falam disso, o filme “A Mexicana”, com Brad Pitt e Julia Roberts (também dirigido por Verbinski), também trata deste tema. Todos de forma bem-humorada. Talvez "O Chamado", dirigido por Verbinski, fuja um pouco ao humor, mas por ser uma refilmagem tem lá sua isenção.
Cage não foge á raia e tem lá sua culpa no cartório. Já em muitos filmes mostrou suas contradições, suas falhas humanas. Acho que até pegou gosto por personagens em contradição ou momentos decisivos de vida. Desde “ConAir, rota de fuga”, passando por “A outra face”, mas de forma mais veemente em “O Sol de cada manhã”, “Adaptação”, “O Senhor das armas”, “O Sacrifício” e o famoso, e aclamado pelas garotas, “Cidade dos Anjos”.
Em todos estes filmes, o ator trata da trajetória de um homem, seus esforços que culminam em enganação e queda, como n’O Sacrifício. Seus esforços em tentar se tornar algo mais simples é o que o leva a perder o que tinha de mais valioso, como em Cidade dos Anjos. Seu esforço em se tornar algo a mais e acabar perdendo também, como em O Sol de cada manhã.
Todos eles dão uma sensação de frescor estranho, já que faz admitir seus erros, por isso sente-se limpo, e, de uma forma ou outra, culpado. Verbinski e Cage estão percebendo algo interessante, talvez falte esse olhar a algumas pessoas.
Para quem se sente a pior pessoa do mundo depois de analisar suas próprias atitudes, fica uma dica dada no final de O Senhor das armas. Cage diz que se pode lutar contra várias coisas e fazer coisas terríveis, o importante é não lutar contra o que você é.
É interessante essa fala e dá força e margem pra muita besteira. Entretanto, não se empolguem e pensem bem antes de qualquer atitude precipitada. Pois, ao final de cada filme, você volta para programação normal e os atores para suas casas. Sabe-se, porém, que o próximo roteiro que as pessoas à sua volta te darão depende de sua última atuação.
Encontre algo, encontre-se. Porque se “You give a little love” eu não sei, mas que “it all comes back to you”, isso sim é verdade! Bebam à vontade – Da da da ra da da da…
Para quem quiser relembrar a propaganda – Coca-cola GTA
Caso se interessem pela música toda ela é do Paul Williams e se chama “You Give a little love”. Interessante saber que ela aparece num filme da década de 70 chamado Bugsy Malone (Quandro as metralhadoras cospem). Vale a pena curtir a cena final da película.
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