Texto escrito em 20/10/2010
E como fica a ficção virtual? É… você! Você mesmo que ia passar distraído, mas resolveu parar para ler este texto, me diga: e como fica a ficção virtual? Aposto que não fui o único a perceber.
Chamem-me do que quiserem, velho, careta, reacionário, pré-conceituoso, romântico ou prosaico, até de louco, mas as pessoas não se podem doar dessa forma para este estilo de vida que surgiu há alguns anos e só cresce. Na verdade mesmo tem vários aspectos, mas trabalho aqui com dois principais.
Bate-papo instantâneo
Quem é que não gosta de conversar em “tempo real”, mandar carinhas (carinhosamente chamadas de emoticons), fazer piadas, falar com 15 usuários ao mesmo tempo, colar coisas de uma caixa para a outra, salvar conversas que nunca voltam a abrir para ler, ficar mudando as frases de apresentação a cada 10 minutos e escolher fonte e cor de letra que combinem com você? Isso sem contar aquelas GIFs irritantes que aparecem quando você quer escrever uma palavra, mas existem três letras no meio dela que formam outra palavra e o programa automaticamente altera aquilo para alguma coisa piscante e nervosa.
Pois bem, não minto, fui fanático, utilizei por muito tempo e rasguei madrugadas adentro “teclando” nesse tipo de programa. Atualmente reduzi o uso porque outras tecnologias o estão consumindo, sem contar algumas buscas pessoais que os seres humanos estúpidos acham importante iniciar após algum período de existência. Enfim, digo tudo isso porque falo com razão, e mais, falo não apenas por conceitos imaginados, ideias refletidas, mas com o bom e velho conhecimento empírico (se bem que nem todos os sentidos são usados nesse meio, mas…).
Conheci muitas pessoas na internet, e isso é estranho de dizer.
Conheci os que antes eram desconhecidos, conheci melhor alguns colegas e conheci alguns conhecidos, que assumem posturas diferentes dentro e fora da rede.
Pois que a coisa é o seguinte. Raramente relacionamentos virtuais dão certo ou são verdadeiros, pelo menos se as duas pessoas da ponta não forem doentes. Se forem sãs, ou se uma for, então o quadro está completo. Como confiar num palco virtual que necessita de emoticons para tentar expressar sentimentos humanos? Se nem uma união de palavras, olhares e expressões corpóreas complexas conseguem uma comunicação adequada num relacionamento profundo (amor ou amizade), como esperar mergulhar no outro virtualmente?
Já conheci pessoas na vida real, por assim dizer, que se aconselhavam e tomavam atitudes que mudavam o rumo de suas vidas apenas com base nos dizeres de alguém que nunca viram antes, quer dizer, nunca se viram frente a frente, porque fotinhos e câmeras estão aí para isso (para que pessoas desconhecidas, e que você nunca vai conhecer, te deem uma sensação de proximidade).
Entendam que sou completamente a favor da tecnologia, utilizo Twitter, Facebook, Gtalk, Orkut. Não tenho problemas quanto a isso. Estas ferramentas são mais que úteis e servem para que as pessoas mantenham contato ou mesmo se aproximem, compartilhem pequenos ou grandes momentos e etc. Mas devem ser um reforço e não uma finalidade.
Complementariedade, essa é a ideia de tais mídias, ou deveria ser. Mas as pessoas abusam e caem numa irrealidade, numa espécie de limbo que não fica nem no real e nem no potencial do virtual. Os laços reais não são reforçados e os virtuais não são apenas meios de se atingir o físico, o concreto e então se perdem.
A origem da palavra virtual, segundo Pierre Lévy, remete exatamente a ideia de potencialidade, força, capacidade que algo tem de se concretizar. Se o virtual é apenas pelo virtual, ou seja, se é sempre uma possibilidade de realização que nunca se realiza, ele perde o sentido, se perde no tempo e fica impossível atribuir um “tempo real” a isso.
Quando pensamos nas pessoas que modificam suas vidas e as baseiam nas palavras de um estranho que nunca conheceram, e provavelmente nunca conhecerão verdadeiramente, fisicamente e não compartilhará com ele experiências reais, o que mais pensar que não uma ficção virtual?
Sim, porque se uma das pontas altera a vida da outra apenas por palavras… bem, isso me parece bastante com o ato de se escrever um livro de ficção.
As pessoas “ficcionam” suas vidas, virtualizam suas relações, transformam-nas em potências que não se realizam, alteram o real pelo irreal e tornam suas vidas apenas um livro que se escreve em caixas de bate-papo. Para quem lê é divertidíssimo, um livro no qual você pode dar “pitacos” na história e as coisas ainda te surpreendem. A ficção virtual, melhor que qualquer e-book.
A “segunda vida”
Quem não gosta de um jogo onde você pode conversar com as pessoas, passear por locais, assistir shows, namorar, fazer compras, mudar o cabelo e as roupas e, mais que isso, você pode usar até mesmo dinheiro real para comprar coisas do jogo, não genial? Querem uma dica? Vocês podem fazer tudo isso SEM ESTAREM NA DROGA DO JOGO! Parece difícil de entender?
Eu entendo jogo, eu adoro jogos, são divertidos, criam um mundo fictício com regras próprias, você pode assumir um papel diferente da sua vida real, une pessoas, elege adversários, faz o tempo passar, surgem micro jogos dentro dos jogos etc.
Quando falo de jogo aqui, vou desde um futebol até banco imobiliário, passando por Playstation 3, X-Box 360 e pôquer.
Eu entendo quem entra nesses jogos para criar uma vida diferenciada e “tocar o terror” ali dentro ou fazer algo muito diferente de suas próprias vidas. “Humankind cannot bear very much reality”, T. S. Eliot estava certo. Eu sei que os seres humanos não podem conviver, não podem lidar com muita realidade e precisam de suas fugas, mas qual é o sentido de recriar a sua vida, tal como é, dentro de uma plataforma virtual, e jogá-la?
E digo mais, se o jogo é uma fuga da realidade, e os virtuais têm um potencial enorme, exatamente pela interação, por que, então, deixar que aquilo ultrapasse barreiras e influencie sua vida?
Se a coisa é boa, eu compreendo, você traz a alegria e o descarrego do jogo (e quando falo em descarrego não me refiro à reunião dos 780 mil pastores que se reúnem para roubar para salvar pessoas que se amontoam dentro de galpões para dar dinheiro para uma pomba branca dentro de um coração) para seu cotidiano e vive mais relaxado. Mas criar paranóias e loucuras dentro disso é bizarro.
Há pouco tempo (coloque isso numa base de cerca de cinco anos) vi duas notícias estranhíssimas. Numa delas, um casal tirava o final de semana para se relacionarem… que bonito! O problema era que eles não ficavam juntos como nós estamos acostumados a imaginar. Eles se encontravam apenas no Second Life e se relacionavam ali. Sabe de onde eles acessavam? Cada um de um quarto, com seu computador, na mesma casa. NA MESMA CASA!!!
Eu que sou burro ou a coisa não está indo muito bem para esse casal?
Outro casal chegou a se divorciar por conta de uma traição dentro do Second Life… Preciso comentar ou você já cansou das letras em caixa alta?
As pessoas estão se transformando em algo menos real, menos físico, menos concreto. O ser humano é irredutível e isso é bom e ruim. Se você pode ser o mais desgraçado do mundo e continuar sendo humano (independente dos adjetivos que te derem), também pode querer ser algo a mais e não conseguir sair desse estágio, mas você pode se encher de algo bom, evoluir positivamente… mas também pode esvaziar, tornar-se apenas casca. Uma propaganda, um anúncio, você pode se tornar apenas uma ideia de humano quando se potencializa sem voltar a se concretizar, quando se virtualiza demais: cuidado com a ficção virtual.
Só para esclarecer sua curiosidade bizarra (e eu sei que você a tem), o casal se separou depois que ela o “pegou” fazendo sexo com uma prostituta no jogo (vomito agora ou depois, na reputação desses dois?). Além do mais, eles tinham se conhecido no próprio Second Life e depois se casado, e casaram também no jogo (blargh! Agora sim regurgitei meu intestino pela boca).
Enfim, a ficção virtual passa de insulto à inteligência para ameaça de futuro. Eu gostei muito do filme Matrix, mas lembre-se que até mesmo ali o cara mudava de vida dentro e fora do “jogo” e, mesmo que muito daquilo fosse mentira, ele se relacionava de verdade com as pessoas fora dali, mesmo que fosse no “deserto do real”. Hoje, as pessoas se relacionam numa rede cheia, porém supérflua e vazia… é o deserto do virtual.
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